"Dia e Noite", M.C. Escher

quarta-feira, 8 de agosto de 2007

Conversa de bar

G- E então, somos livres ou não?
F- Liberdade, que é liberdade?
G- Hum...
F- Liberdade é a vontade de ser livre?
G- Talvez...
F- Ser livre é realizar nossa vontade?
G- Acho que sim. Normalmente é isso que querem dizer, eu acho.
F- Quem “querem”?
G- As pessoas, sei lá, elas sempre falam em liberdade.
F- Humpf... É verdade. Falam-nos em liberdade como quem fala em pão: “o homem precisa se alimentar, o homem precisa de moradia, de saúde... o homem precisa de liberdade”. E de liberdade! Como se fosse óbvio...
G- E não é?
F- Ora, mas é claro que não! Quem disse que precisamos de liberdade?
G- Todos dizem.
F- Mas pra que, sim, pra que essa coisa de ser livre?
G- Você gosta de poder falar agora sem que ninguém lhe impeça, não gosta?
F- Sim, mas desde quando poder falar significa ser livre? Será que eu posso mesmo falar qualquer coisa?
G- Como assim?
F- PKdfeihgep02uir946409.&¨¨%¨%$%¨#¨(**(¨%&¨$¨$#%$#@
G- QUÊ?
F- *¨&¨%¨&EDWGF*%*QW`=902298420
G- Ficou maluco?
F- Não, só estava mostrando como não sou livre pra falar o que quiser.
G- Como assim?
F- Ora, eu só posso me expressar por meio de uma língua, ou de algumas línguas existentes que já me limitam a expressão e mesmo o pensamento.
G- Ahn?
F- E os pensamentos que não podem ser expressos com palavras? Que liberdade de expressão pode haver quando me obrigam a me expressar de certa maneira?
G- Você está ficando maluco.
F- Ora, sai pra lá, pensa que é psiquiatra?
G- Eu li Freud e...
F- Freud? Freud era um charlatão!
G- Mas... Quanto à liberdade...
F- Que tem ela?
G- Ela existe?
F- Sei lá... Nem quando realizamos nossos desejos somos livres, afinal apenas obedecemos às nossas pulsões inconscientes.
G- Mas você acabou de dizer que Freud era um charlatão!
F- Dá licença? Tenho plena liberdade de me contradizer quando quiser, isso é o que chamam liberdade de expressão. E vai buscar uma cerveja.
G- Você tá querendo mandar em mim? E a liberdade, onde fica?
F- Vizinha da Aclimação…
G- Quê?
F- Ah, eu só... Bem, tanto faz. O cliente ali do lado tá reclamando, faz meia hora que ele chama por você.
G- Então só porque eu sou garçom tenho que ficar obedecendo a todo mundo?

7 comentários:

Marcio_ disse...

Ex-Pirro,

Ótimo texto. As reflexões sobre linguagem, comunicação e liberdade são, frequentemente, deixadas de lado no nosso quotidiano.

Nos esquecemos de quantas discussões e problemas são gerados por problemas de linguagem e comunicação, e não por contradições ou oposições reais de idéias.

Às reflexões sobre liberdade, por outro lado, acrescento uma questão: Se somos livres, qual a necessidade de que isso seja proclamado, declarado?

Talvez eu esteja, neste momento, muito influenciado Por Nietzsche, mas vejo na liberdade mais um axioma típico da metafísica dicotômica, repetido de forma papagaiada, sem muita reflexão.

Em síntese: parabéns pelo trabalho. Continue produzindo textos dessa qualidade.

abs,

felipefarias disse...

O boêmio tem uma intuição platônica!
Afinal de contas, as palavras só o prendem porque ele supõe existir uma realidade além delas.

felipefarias disse...

Ou, talvez, seja platonismo embarcar nessa metafísica da linguagem!

Pedro Ximenes disse...

eita, telesforo... essa discussao de liberdade.... aff...lembra das primeiras aulas de filosofia e meu surto? huahauahauahauahua

Anônimo disse...

É, meu caro, esse assunto da liberdade é muito complexo. Nossa história apresenta diversos exemplos de autores notáveis que simplesmente negam a existência da liberdade entendida no seu contexto comum. Aliás, para ser mais preciso, é necessário ponderar que não existe exatamente um contexto comum, variando o sentido que essa palavra tem, bem como a idéia que representa (o que muita gente entende ser a mesma coisa, e acho que pode ser mesmo) de acordo com o grupo social ou mesmo de indivíduo para indivíduo.

De todos os aspectos que podem ser abordados sobre o tema, e sobre os que você abordou, o que acho mais interessante é o da linguagem - sou simplesmente fascinado pelo tema. Como você apontou muito bem, a linguagem limita muito diversos aspectos da vida de qualquer (e essa limitação já não constitui uma restrição à liberdade?). Mas acho também que deve ser levado em conta o seu aspecto de ampliação da liberdade. Apesar da tortuosidade no tema, penso que a liberdade pode ser definida como a possibilidade de ser agente em uma relação de poder, a qual deve ser exercida de acordo com os desígnios daquele que é dito "livre". Ora, a linguagem é inegavelmente um instrumento que nos confere diversas possibilidades de estabelecer uma relação de poder a nosso favor. Agora, é certo que, dentre outros fatores, a circunstância de a linguagem não ser desenvolvida pelo próprio falante, mas de ser um elemento estrutural no qual se encontra inserido e que simplesmente apreende em seu processo de socialização, certamente contribui para que a linguagem restrinja a liberdade. Mas acho que ponderando os dois extremos, ela deve ser vista como um recurso à nossa disposição para alcançar nossas finalidades antes de como um condicionante do nosso comportamento. Basta pensar no tanto de coisas que conseguimos muito facilmente com algumas poucas palavras.

De resto, achei o final do diálogo muito perspicaz. Um garçom, que em geral deve atender os pedidos dos clientes, ou seja, atuar como paciente em uma relação de poder em favor de outrem, é um personagem bem interessante para colocar como questionador da existência da liberdade. Uma excelente sacada.

Ex-Pirro disse...

De fato, a linguagem não atua apenas restritivamente com relação à liberdade - e ao poder. Como você bem falou, ela atua criativamente, de certa forma - constitutivamente, pra tentar ser mais exato.

Mesmo considerando que estamos imersos na linguagem, que não a criamos, ela nos dá liberdade porque nos fornece uma estrutura pra agir - estrutura sem a qual não poderíamos agir em certos sentidos. Então, de fato ela nos condiciona, mas esse condicionamento é inerente à liberdade e ao poder que ela fornece. A linguagem nos capacita a dar formas comunicativas aos pensamentos e sentimentos, o que possibilita a comunicação; mas, quando se define uma forma, outras formas são excluídas.

Unknown disse...

Muito bom o texto, João. Mas ainda estou imaginando como é que o cara disse os 89up3409834f903236y@#$!@#C!.