"Dia e Noite", M.C. Escher

segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

piauí on RN

"Caviar, champanhe e Ministério Público

Perseguição implacável a uma colunista social potiguar."

na piauí deste mês. Reportagem de João Moreira Salles, que vem a ser o dono da piauí. Não confundir com o Piauí.

Não, não ganhamos nada pra fazer propaganda da piauí aqui. Nem do RN. Infelizmente.

Memento, homo...

(Sobre Cachorros de Palha, de John Gray, e a dinâmica saúde-doença mental fora de termos exclusivamente bioquímicos)

Nos últimos 200 anos, o conhecimento humano deu um salto extraordinário. Pisamos na Lua, desvendamos os segredos das estrelas e dos átomos. Aprendemos mais sobre o universo e sobre nós mesmos do que muitos poderiam imaginar. Darwin e os evolucionistas nos apontaram o caminho que percorremos até aqui. Mendel e os geneticistas nos mostraram o que nos torna isso que somos. Agora estamos aí, a poucos passos de saber como funciona a mente humana!
Descobrimos que não somos tão diferentes de tudo o mais. G A T(U) C. As mesmas pequenas moléculas se empilhando em quantidades e formas um pouco diferentes fazem um vírus, uma bactéria, uma drosófila, uma lagartixa, um ser humano. Os mecanismos como essas pequenas seqüências controlam toda a vida é bastante semelhante; algumas seqüências são mesmo iguais para várias espécies.
Ainda assim, gostamos de pensar que somos diferentes, que temos algo a mais. Não aceitamos que toda a complexidade de movimentos e pensamentos que somos capazes de realizar é pouco mais que uma série de fenômenos químicos e elétricos nas nossas células. (Na Antiguidade, acreditava-se que a sede dos pensamentos eram os ventrículos cerebrais, quatro pequenos espaços que, no vivo, ficam preenchidos pelo líquido cérebro-espinhal, mas que, nas dissecações, parecem vazios – como se as funções cerebrais superiores fossem imateriais, etéreas. Essa idéia permanece conservada de certa forma, embora seus fundamentos anatômicos tenham sido retirados). Gostamos de acreditar que somos uma espécie destinada a grandes feitos, que controla seu próprio destino.
O homem não foi o primeiro animal a “dominar” o planeta; nem mesmo a conhecer a linguagem. Mas, ao que parece, foi o primeiro a ter certas vaidades.

domingo, 16 de dezembro de 2007

A Política das Canetas

Contaram-me recentemente que, quando era governador do Rio Grande do Norte, o atual presidente do Senado, Garibaldi Alves Filho, foi a uma FIART (Feira Internacional de Artesanato, evento que ocorre a intervalos regulares aqui em Natal). Tomou a palavra. Faltavam alguns poucos meses pro fim do seu mandato – não sei se o primeiro ou o segundo. O então governador disse que reconhecia que não havia feito tanto pelo artesanato potiguar, mas que, com “o restinho de tinta da caneta”, pretendia fazer ainda muita coisa.
Os presentes sorriram. Alguns indivíduos, cuja fortuna depende dos favores de seja lá quem esteja no poder, gargalharam (o Rio Grande do Norte ainda é um estado pequeno o suficiente para que fortunas, reputações e carreiras sejam feitas de acordo com as simpatias do “Poder”). Mas se acharam aquilo engraçado, foi por não compreender que, no fim das contas, aquela frase não era um projeto inovador, não era um plano técnico, não era nem mesmo uma promessa – era apenas a maneira mais arcaica de se fazer política, a com piores resultados.
Não pretendo fazer uma crítica pessoal (juro). O que critico é a forma como se faz política nesse país. Existem exceções –graças a Deus! De qualquer forma, boa parte da vida política desse país resume-se a mandatos sem projetos, sem idéias, sem agenda; a promessas que não entram e projetos que não saem do papel; a obras que não tem fim e obras que não tem finalidade. A gente que entrou na vida pública não porque tinha um sonho ou uma aspiração superior, mas porque tinha determinados sobrenomes ou determinados apetites - e logo passou a acreditar que governar era abrir estradas e assinar papéis.

Churchill dizia que “os homens públicos orgulham-se de ser servidores do Estado e se envergonhariam de ser seus senhores”. O pessoal por aqui não leva isso muito a sério. E continua a fazer política só com a caneta.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Direito ao suicídio

"Há um mínimo de dignidade que o homem não pode negociar, nem mesmo em troca da liberdade. Nem mesmo em troca do Sol."

Augusto, personagem da peça O Santo Inquérito, de Dias Gomes

É decisão pessoal inalienável aquela sobre se vale a pena viver ou não, e em quais circunstâncias. É a escolha fundamental que cada um de nós precisa fazer enquanto vive - e efetivamente a faz, ainda que por instinto. Albert Camus chegou a afirmar, no livro
O Mito de Sísifo, que o suicídio seria o único problema filosófico verdadeiramente importante. Ele mesmo se desmentiria depois - analisou o problema do homicídio, em O homem revoltado. Não obstante, o suicídio é, sim, um dos mais sérios problemas filosóficos e concretamente existenciais que pode haver.

Se alguém acha bonito se matar, o que se pode fazer? Respeite-se a vontade e a dignidade do sujeito. Se acha que é uma forma eficaz de protestar, resistir e revoltar-se, não se pode fazer nada, a não ser, no máximo, discordar respeitosamente: é um direito que ele tem o de dar cabo à própria vida. É parte fundamental da dignidade da pessoa humana o direito ao suicídio. Quem tem o direito de viver precisa necessariamente ter o direito ao suicídio. Sim, porque se não houvesse o direito ao suicídio, não haveria o direito à vida - haveria a obrigação à vida. Se você não concorda com o direito ao suicídio, não me fale em direito à vida, porque vou acusá-lo de incoerência; assuma que, para você, viver é uma obrigação.

P.S.: Não, eu não pretendo me suicidar. Não tenho tendências nem suicidas nem depressivas. Minha visão de mundo continua a oscilar no pêndulo que vai da dramaticidade ridícula do pastelão à comicidade trágica do absurdo. Apesar de tudo, ou por causa de tudo, "é preciso imaginar Sísifo feliz".

P.P.S.: texto motivado pela greve de fome daquele bispo na Bahia, contra a transposição do Velho Chico.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Ócio criativo

O trabalho emburrece o homem. No plano das idéias, sou totalmente a favor da redução da jornada de trabalho. Vivamos o ócio criativo!

Mas, ainda não tenho posição sobre a proposta concreta de redução da jornada para três dias por semana, aqui e agora. Pra assumir posição quanto a ela, preciso ter base em estudos sobre os efeitos de políticas similares e em estudos prospectivos sobre os desta proposta de Pochmann. Alguém tem algum aí? Por ora, tudo o que ouvi sobre a proposta foi:

"Subdesenvolvimento não se improvisa, resulta de anos de meticulosa construção" (Nelson Rodrigues apud Rodrigo Mendes);

"Como diria um amigo economista que tenho, substitua 'jornada semanal de trabalho de três dias' por 'maconha', que o texto do Ponchmann passa a fazer mais sentido" (Thiago Maciel).


12/12/2007 - 09h54
Pochmann quer jornada de três dias de trabalho
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DIMITRI DO VALLE
da Agência Folha, em Curitiba

O presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), Marcio Pochmann, defendeu a adoção de jornada semanal de trabalho de três dias com expediente de quatro horas. Disse ainda que o Brasil deveria preparar seus cidadãos para começar a trabalhar depois dos 25
anos de idade.

Para Pochmann, o aumento da expectativa de vida no Brasil --que hoje é de 72,3 anos-- justifica a entrada tardia no mercado de trabalho. "Não há razão técnica para alguém começar a trabalhar no país antes dos 25 anos de idade. Especialmente porque estamos para entrar na fase em que a expectativa de vida ultrapassará os cem anos."

Seu argumento para reduzir a jornada é o acúmulo de capital pelo sistema financeiro internacional, que ele chamou de "produtividade material". "Essa produtividade justifica a razão pela qual não há, do ponto de vista técnico, [motivo para] alguém trabalhar mais do que quatro horas por dia durante três dias por semana."

A Constituição permite a livre negociação da jornada de trabalho, com limite máximo semanal de 44 horas. Na semana passada, centrais sindicais se reuniram com o presidente Lula para reivindicar redução da jornada para 40 horas semanais, sem redução do salário.

"Pode ser estranho ouvir isso neste momento, ou talvez devessem ter sido mal compreendidos aqueles que, em 1850, justificavam o trabalho de oito horas por dia, começando a partir dos 15 anos, embora [naquela época] a indústria no mundo todo empregasse crianças de cinco, seis anos fazendo jornada de 16 horas diárias."

Pochmann, criticado recentemente por ter afastado quatro pesquisadores críticos em relação a políticas da gestão Lula, sugeriu a criação de um fundo "que permita aos pobres optar entre o trabalho e a escola". Para ele, a mudança no processo de formação colocaria o país em posição de vanguarda na preparação de pessoas capazes de pensar um projeto de desenvolvimento de longo prazo.

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Kierkeegaard às avessas

.......................
Não há nada ao fim do túnel:

Cada passo é um salto
.............................- no escuro.
.

domingo, 9 de dezembro de 2007

Em que Hipócrata diz quem é e aonde vai

(Por uma questão de paralelismo, escrevo esse texto, já com atraso considerável. E, pelo mesmo motivo, falarei de mim mesmo em terceira pessoa. Desculpem)

Hipócrata, desde muito cedo, dedicou-se a pensar história sem seriedade, filosofia sem profundidade e humor sem lá muita graça. Quando chegou a hora de escolher o que deveria fazer para o resto da sua vida, decidiu tornar-se discípulo de Hipócrates. Suas razões foram um tanto quanto difusas e mal-explicadas. A principal foi uma espécie de lenda recorrente na sociedade sobre enfermeiras.
Pelo menos por enquanto, não tem grandes sonhos nem grandes projetos, embora já tenha planos C e D em caso de tudo dar errado. Ainda não está certo de qual é a sua visão de mundo. Nem está certo de que quer estar certo de alguma coisa, já que suas incoerências têm sido um grande motivo de entretenimento.
Ponto forte: é um conceito recorrente na literatura que a consciência é como um câncer. A consciência de Hipócrata assumiu a forma patologicamente mais amena de uma gastrite, mantendo a mesma funcionalidade.
Ponto fraco: outro conceito recorrente na literatura é que conhecer a si mesmo é fundamental. Hipócrata não faz muita idéia de quem realmente é, o que torna todo esse post bastante dispensável...

sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

Quarto crescente

Trasímaco estava parcialmente correto: não existe o bem em si.

Mas, existe o bem em sol. E em Lua.

quinta-feira, 29 de novembro de 2007

O julgamento de Joseph Brodsky

"Juíza: Qual é seu nome?

Brodsky: Joseph Brodsky.

Juíza: Qual é sua ocupação?

Brodsky: Escrevo poemas. Traduzo. Suponho que...

Juíza: Não interessa o que o senhor supõe. Fique em pé respeitosamente. Não se encoste na parede. Olhe para a Corte. Responda com respeito. O senhor tem um trabalho regular?

Brodsky: Pensei que fosse um trabalho regular.

Juíza: Dê uma resposta precisa.

Brodsky: Eu escrevia poemas: julguei que seriam publicados. Supus...

Juíza: Não interessa o que o senhor supõe. Responda porque não trabalhava.

Brodsky: Eu trabalhava: eu escrevia poemas.

Juíza: Isso não interessa. Queremos saber a que instituição o senhor estava ligado.

Brodsky: Tinha contratos com uma editora.

Juíza: Há quanto tempo o senhor trabalhava?

Brodsky: Tenho trabalhado arduamente.

Juíza: Ora, arduamente! Responda certo.

Brodsky: Cinco anos.

Juíza: Onde o senhor trabalhou?

Brodsky: Numa fábrica, em expedições geológicas...

Juíza: Quanto tempo trabalhou na fábrica?

Brodsky: Um ano.

Juíza: E qual é seu trabalho real?

Brodsky: Sou poeta. E tradutor de poesia.

Juíza: Quem reconheceu o senhor como poeta e lhe deu um lugar entre eles?

Brodsky: Ninguém. E quem me deu um lugar entre a raça humana?

Juíza: O senhor aprendeu isso?

Brodsky: O quê?

Juíza: A ser poeta? Não tentou ir para uma Universidade onde as pessoas são ensinadas, oinde aprendem?

Brodsky: Não pensei que isso pudesse ser ensinado.

Juíza: Então como...?

Brodsky: Eu pensei que... Por vontade de Deus...

Juíza: É possível ao senhor viver do dinheiro que ganha?

Brodsky: É possível. Desde que me prenderam sou obrigado a assinar um documentom todos os dias, declarando que gastam comigo quarenta copeques. Eu ganhava mais do que isso por dia.

Juíza: O senhor não precisa de ternos, sapatos?

Brodsky: Eu tenho um terno. É velho, mas é um bom terno. Não preciso de outro.

Juíza: Os especialistas aprovaram seus poemas?

Brodsky: Sim, fui publicado na Antologia dos Poetas Inéditos e fiz leituras de traduções do polonês.

Juíza: Seria melhor, Brodsky, que explicasse à corte por que não trabalhava no intervalo de seus trabalhos.

Brodsky: Eu trabalhava. Eu escrevia poemas...

Juíza: Mas existem pessoas que trabalham numa fábrica e escrevem poemas ao mesmo tempo. O que o impediu de fazer isso?

Brodsky: As pessoas não são iguais. Mesmo a cor dos olhos, dos cabelos... a expressão do rosto.

Juíza: Isso não é novidade. Qualquer criança sabe disso. Seria melhor que explicasse qual a sua contribuição para o movimento comunista.

Brodsky: A construção do comunismo não significa somente o trabalho do carpinteiro ou o cultivo do solo. Significa também o trabalho intelectual, o...

Juíza: Não interessam as palavras pomposas. Responda como pretende organizar suas atividades de trabalho no futuro.

Brodsky: Eu queria escrever poesia e traduzir. Mas se isso contraria a regra geral, arranjarei um trabalho... e escreverei poesia.

Juíza: O senhor tem algum pedido a fazer à corte?

Brodsky: Eu gostaria de saber por que fui preso.

Juíza: Isso não é um pedido; é uma pergunta.

Brodsky: Então não tenho nenhum pedido.

Brodsky foi condenado a cinco anos de trabalhos forçados, numa fazenda estatal de Arcangel, na função de carregador de estrume. O poeta tinha vinte e quatro anos".

PÍLULAS

- NA RÚSSIA, Kasparov foi mandado para o xadrez pela segunda vez no ano. Ao que parece, não estão querendo deixá-lo mudar de profissão. A fala preferida de Putin: Kasparov, volta pro xadrez!

- NA ESPANHA, o rei Juan teria dito: cale-se, cale-se, cale-se, você me deixa louco!

- NO BRASIL, criou-se a história de que Lula estaria aspirando a uma nova reeleição. A imprensa adorou a tese, que ajuda a desviar o foco, por exemplo, da denúncia do valerioduto tucano pelo Procurador-Geral da República. Saiu também um estudo da FGV mostrando que a pobreza caiu mais nos 4 anos de governo de Lula do que nos 8 de FHC. O pesquisador disse que o mérito foi de ambos. E agora essa propaganda do PSDB, assumindo que todo tucano na verdade é um petista disfarçado, e vice-versa.

- O BRAZIL aparece no calendário da THE ECONOMIST para 2008 com uma referência: "February - Brazilians and foreigners alike dance to hedonistic excess at the Rio de Janeiro carnival". Viva o Brazil!

- A ONU nomeou 2008 o ano internacional da batata. 2007 já está acabando, e 2008 é batata!

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

História como farsa

Analisando o calendário brasileiro, encontramos três feriados cívicos, históricos: o 21 de abril de Tiradentes, o 7 de setembro da Independência e o 15 de novembro da Proclamação da República. Se formos analisar a fundo o significado de cada uma deles, o resultado é um tanto quanto decepcionante.
Discute-se se Tiradentes, Joaquim José da Silva Xavier, que foi traído e não traiu jamais a Inconfidência de Minas Gerais, era realmente um dos líderes da revolução ou simplesmente seu bode expiatório preferencial. Seja lá como for, não há muito sentido em comemorar uma revolta que não chegou às ruas, que não ergueu barricadas nem derrubou bastilhas: um amontoado de boas intenções que se limitou aos saraus de grã-finos.
A Independência, proclamada pelo filho do rei, que mais tarde foi tentar reaver o trono do pai, também tem resultados questionáveis. Ao contrário de toda a América, que, ao se tornar independente, trocou a monarquia pela república, o Brasil trocou uma monarquia por outra. A primeira Constituição própria foi outorgada. A tradição autoritária manteve-se mais forte que os direitos civis.
A Proclamação da República também está envolta numa discussão histórica. Há quem diga que a intenção não era proclamar a República, mas apenas derrubar o ministério Ouro Preto. A passagem da monarquia para a república foi um passeio: sem um tiro disparado, uma gota de sangue derramada. Depois da bonança, a tempestade. Ditadura, um poder executivo aos moldes do moderador, crise, crise, crise.

Dizem que a História (com H maiúsculo, como se fosse uma entidade viva, com identidade própria) ocorre e depois se repete como farsa. A história do Brasil deixa a impressão de que tudo aqui se resumiu à farsa.

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Neutralidade e objetividade

Neutralidade não existe. A pretensão de neutralidade é de certa forma doentia, fruto de uma Modernidade que "se esqueceu do ente" (pra usar terminologia heideggeriana), de uma sociedade que pretende anular o sujeito na assepsia da técnica.

A inexistência da neutralidade e a sua indesejabilidade não significam necessariamente, no entanto, que não se deva buscar a objetividade. Qual objetividade é possível? Difícil responder, a pergunta está no centro dos grandes debates epistemológicos contemporâneos. Sem alguma objetividade, é difícil pensar em quê a ciência e o direito podem se fundar, como podem existir. Admitimos que Jornalismo e história são Literatura, ou adotamos a posição de que há neles o inafastável compromisso com a objetividade? Os fatos existem, duros como pedras, ou existem apenas interpretações? Difícil dizer. É a tal da pós-modernidade complicando as nossas vidas.

O que não se pode admitir nesse debate são posturas desonestas. Atacar a Veja porque ela é parcial e defender a Carta Capital? Não dá. Que se ataque a Veja porque ela não apóia o seu projeto político, não porque ela é parcial, ou que não se aplauda a Carta Capital. [Entenda-se que estou utilizando parcialidade aqui como falta de compromisso com a objetividade, e não com a neutralidade, que essa é indesejável para o jornalismo, que há de ter posição e opinião.]

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

O Poder do Símbolo

Nada se faz nesse mundo sem um símbolo. Sem um objeto, um mito, um herói – nenhuma batalha é perdida ou ganha. A fé no símbolo é maior que ele próprio. Sua importância só pode ser medida pelo que representa.
“Sabe como tornar as crianças mais patrióticas? Conte-lhes como Wolfe tomou Quebec”, dizia Churchill. Na guerra dos Sete Anos, o General Wolfe tomou a cidade ao custo da própria vida, numa batalha de poucos minutos. O fato considerável é que nem mesmo o amor à terra de nossos pais escapa da necessidade de um símbolo, de um mito, de um herói. Recorremos a eles quando precisamos de força, esperança, apoio.
Após o 11 de setembro, Bush apelou à memória de Churchill, o homem que resistiu sozinho e não perdeu a Segunda Guerra. Evo Morales e Hugo Chavez constantemente evocam a memória de Simon Bolívar.
Os gregos têm Aristóteles, Péricles, Leônidas. Os ingleses, Duque Wellington, Lorde Nelson, William Shakespeare. Os franceses, Napoleão Bonaparte, Voltaire, General De Gaulle. Os portugueses têm Luís Camões, Vasco da Gama. Os italianos têm Júlio César, Otávio, Marco Aurélio. Os mongóis têm Gengis Khan. Os americanos têm Thomas Jefferson, George Washington, Franklin Delano Roosevelt. Gandhi, na Índia. Mao Tse-Tung, na China. Em Cuba e por aí, Che Guevara. Na Romênia, Vlad, o Empalador, também deve ter seus admiradores.
Se a resistência francesa na segunda guerra foi superestimada, se a independência americana não pôs fim à escravidão, se as revoluções cubana e soviética levaram a ditaduras cruéis, paciência! Afinal de contas, ninguém está escrevendo um livro de história (a experiência brasileira recente diz que mesmo os que estão não se importam muito com a coisa).
Quando tentaram levar um projeto adiante sem um símbolo ou quando o símbolo saiu errado, a coisa logo desandou. Como os Estados Unidos venceriam a guerra do Vietnã se o grande símbolo era a menina vietnamita correndo, com o corpo queimado? Muito mais fácil seria vencer um homem que, por trás do bigode engraçado e da Cruz de Ferro, vociferava na frente de multidões armadas.
(Abrindo um parêntese para fechá-lo logo, o símbolo “democracia” recentemente não tem tido bons resultados. Pelo menos, não os que “liberdade” e “sobrevivência da nação” vinham tendo no século XX).
Um dos muitos problemas (e dos menos relevantes, claro) do Brasil é a falta do grande símbolo, do grande herói, da identidade. A idéia de país plural, com a fusão democrática de várias raças, é bonita e ótima para dias de festa, mas não torna nenhuma criança mais patriótica. Os heróis nacionais até hoje também não convenceram muito: o único que ganhou feriado próprio foi líder discutível e bode expiatório de uma revolta que nem chegou às ruas.
O que devemos contar às crianças brasileiras?

domingo, 28 de outubro de 2007

No que crêem os que não crêem?

“Brincadeira de criança, as opiniões humanas.”

Heráclito

Rodrigo S. M., narrador de A hora da Estrela, tem razão quando diz que “a verdade é sempre um contato interior e inexplicável”: não sei explicar porque creio naquilo em que creio, o fato é que creio – “Pensar é um ato. Sentir é um fato”.

Por que creio em algo? A melhor resposta talvez fosse: creio porque creio. Esse juízo decorre de uma valoração subjetiva, uma intuição instintiva, assim como qualquer outro que pudesse fazer. Isso não significa que não forme minhas opiniões influenciado também – e predominantemente – por argumentos racionais; mas crer na razão é também subjetivo e intuitivo, de modo que apenas às vezes escolhemos ser (ou acontece de sermos) convencidos por ela.

Mas o “porque sim” ou o “creio porque creio” não costuma convencer as outras pessoas – vontade que nós costumamos ter. Para persuadir alguns, temos de dar ao nosso discurso uma aparência racional; outros poderão concordar conosco se apresentarmos argumentos de autoridade; outros poderão ser convencidos por uma poesia ou uma imagem.

É difícil evitar os exageros de posições extremistas: por um lado, a tentação de transformar a nossa visão sobre determinado assunto “na verdade” sobre ele; por outro, a de se negar que nossas opiniões tenham qualquer validade ou utilidade. O primeiro ponto de vista ignora que o conhecimento humano é uma criação humana e, como tal, incompleto, histórico, valorativo, subjetivo, cultural... O segundo compreende o que o primeiro ignora, mas, depois de negar o conhecimento absoluto, acaba por negar também o relativo, não o afirmando como conhecimento.

Sendo o conhecimento humano, demasiado humano, ele não é absoluto, mas isso não o invalida; é esse conhecimento que criamos e utilizamos – “Sou humano, e nada do que é humano me é estranho”, disse Terêncio. Desprezar nossas verdades relativas e falhas pelo fato de elas não serem divinas (absolutas) é para quem quer ser Deus. Eu sou humano. Se não há verdade absoluta, se “a verdade é dividida em metades diferentes uma da outra”, como disse Drummond, isso não nos impede de optar pela nossa; cada um “conforme seu capricho, seu ilusão, sua miopia”.

Brinquemos, então, de criar e escolher verdades – mas a sério, com a seriedade com que brinca uma criança. Nunca nos esqueçamos de que nossas verdades são produto de uma brincadeira de criança. E nunca nos esqueçamos de que tal brincadeira é o que fazemos de mais sério em nossas vidas.

Eu, de acordo com o meu astigmatismo, vou escolhendo as metades que me agradam.


P.S.:

VERDADE

Carlos Drummond de Andrade

A porta da verdade estava aberta,
mas só deixava passar
meia pessoa de cada vez.

Assim não era possível atingir toda a verdade,
porque a meia pessoa que entrava
só trazia o perfil de meia verdade.
E sua segunda metade
voltava igualmente com meio perfil.
E os meios perfis não coincidiam.

Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta.
Chegaram ao lugar luminoso
onde a verdade esplendia seus fogos.
Era dividida em metades
diferentes uma da outra.

Chegou-se a discutir qual a metade mais bela.
Nenhuma das duas era totalmente bela.
E carecia optar. Cada um optou conforme
seu capricho, sua ilusão, sua miopia.

[A porta da verdade? Lembremos do próprio Drummond:

"Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta" ...

"E agora, José?"

"E agora, você?"]

P.P.S.: este texto tem já mais de um ano. Mas, por incrível que pareça, não mudei de opinião desde então sobre o assunto tratado nele. Devo estar envelhecendo - agora vejo que não foi à toa que me disseram isso outro dia...




quinta-feira, 25 de outubro de 2007

Chamadas Telefônicas

“Zooey estava em plena forma, no seu jeito sonhador. O apresentador sugeriu como tema os projetos de novos bairros residenciais, e a garota dos Burke disse que odiava essas casas que parecem todas iguais – referindo-se às ruas projetadas com fileiras de residências idênticas. Zooey disse que elas eram ´legais´. Que seria muito bom voltar da escola e entrar na casa errada. Jantar por engano com as pessoas erradas, dando um beijo de despedida de manhã em todo mundo, pensando que eles eram sua própria família. Disse que seria até bom se todos fossem iguais. A gente ia pensar que todas as pessoas que encontrasse eram sua mulher ou sua mãe ou seu pai, ficariam todos se abraçando, aonde quer que fossem, seria mesmo ´muito legal´”. (J. D. Salinger, no livro Carpinteiros, Levantem Bem Alto a Cumeeira)

Gosto de pensar que no Brasil – o país do homem cordial – algo semelhante seria possível. Ao menos nas casas mais cordiais, é possível sim entrar e rapidamente se tornar família.
No entanto, ninguém sai por aí entrando em qualquer lugar. O que se tem de mais próximo são as chamadas telefônicas. Não há quem nunca tenha errado uma ligação.
Minha casa recebe não menos que cinco ligações erradas por dia. Existem duas farmácias, uma escola, uma empresa do tipo “disque-pesquisa” e uma limpadora de fossas com números semelhantes. No mais das vezes, as ligações erradas são lacônicas e rudes. Atender um engano e escutar um pedido de desculpas é raro. Ter uma conversa agradável é motivo de comemoração.
Eu já tive motivos de comemorar. Durante três anos seguidos, recebi no dia do Natal uma ligação errada da mesma pessoa. Uma senhora fazia diversos votos de felicidade, prosperidade, saúde e tudo mais que supostamente devemos desejar em semelhante data. E quando eu respondia, desejando-lhe tudo igualmente (ou em dobro, no último ano), ela estranhava e perguntava se não era a casa de Fátima. Na ausência de Fátima, desejava tudo novamente, dessa vez pra mim e pra minha família.
Há alguns meses, numa manhã de segunda-feira, por volta das dez horas, recebi outra ligação errada, de uma outra senhora. Pela voz embargada, postulei que estivesse alcoolizada. Queria falar com Rita. Como não havia Rita, decidiu falar comigo mesmo. Perguntou meu nome, não o entendeu e pediu que eu soletrasse. Pediu que eu soletrasse novamente, dessa vez mais devagar. E então se apresentou: “Meu nome é Verônica. Verônica, que nem na musiquinha. Quer que eu cante a musiquinha?”. “Sim, por favor”. “Veronicaaaaaaaa... Veronicaaaaaaaaaaaaa”. Conversamos por uns 20, 30 minutos. Conversa bastante agradável. Verônica tinha um cachorro, trabalhava com contabilidade e freqüentava uma igreja próxima à minha casa. Era um tanto insegura. Perguntou mais de uma vez se eu estava gostando de falar com ela. Quando se despediu, disse que ligaria novamente outro dia. E se corrigiu: ligaria todo dia.
Verônica nunca mais ligou. Mas deixou a impressão de que não é errado pensar que todas as pessoas que a gente encontra são mãe, pai, irmã...

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Sinapses e Aplausos

- Shh... O maestro está entrando. Nós deveríamos aplaudir.
- Por quê? Ele ainda não fez nada.

Acredito que todo mundo já deve ter visto uma daquelas imagens que, a princípio, parecem apenas uma paisagem, mas, à medida que se olha com atenção, é possível descobrir vários rostos e perfis humanos. Ou então aqueles quadros com amontoados de frutas que, no todo, formam uma face. Acontece que o nosso cérebro é incrivelmente capacitado na tarefa de perceber e visualizar rostos humanos. Afinal de contas, nós convivemos o tempo todo com pessoas e grande parte da nossa percepção consciente e da nossa memória está voltada para seus rostos. Assim, o cérebro se prepara para ver rostos, mesmo que eles não estejam objetivamente lá.
Do mesmo modo, o cérebro humano é incrivelmente capacitado para imaginar. E isso nos leva a projetar o que pensamos em situações que, objetivamente, também não estão lá. É o caso do rapaz que andava sozinho num lugar esquisito à noite, preocupado com a possibilidade de ser assaltado: quando alguém passou ao lado e lhe perguntou a hora, ele subitamente retirou o relógio do pulso, o entregou e saiu correndo.
Isso também ocorre com nossos desejos, esperanças, sonhos. O cérebro humano trata de distorcer a realidade para que ela se encaixe – e depois se descobre errado. Alguém pode argumentar: triste aquele que não se ilude, que não se engana! E não deixa de ter razão.
O problema não está no engano. Nos enganamos o tempo todo. O problema está nos aplausos. Baseado em evidência nenhuma que não os próprios desejos e esperanças, aplaude-se e festeja-se o que está errado. “E um erro traz um erro”, já dizia Sófocles. Às vezes, só se percebe o engano tarde demais.

O diálogo lá de cima é de uma tirinha da turma do Snoopy. Não sei como postá-la aqui. Mas sei que, como a personagem, só devemos aplaudir quando termina.

sexta-feira, 5 de outubro de 2007

A Profecia de Nelson Rodrigues

Certas pessoas são tão geniais em determinadas atividades que nos dão a impressão de que seriam igualmente gênios fazendo qualquer coisa. Se Isaac Newton, ao ser atingido por uma maçã, não tivesse pensado na lei da gravitação universal, mas apanhado duas ou três outras maçãs e começado a fazer malabarismos, teria sido igualmente revolucionário, igualmente importante. Se Nelson Rodrigues - dramaturgo, reacionário, supostamente tarado – tivesse se dedicado a ler mãos ou bolas de cristal, teria previsto praticamente todos os acontecimentos dos últimos 17, 18 anos.

Em 1968, Nelson afirmou que, enquanto a esquerda que lá estava não fosse substituída até o último idiota, não iria acontecer nada, “rigorosamente nada”. “Sem tal substituição, nada é possível e tudo continuará perdido e cada vez pior”. A esquerda não foi mudada. Nelson não completou o raciocínio: não disse que, enquanto a direita não fosse substituída até o último idiota e que enquanto esquerda e direita não fossem substituídas até o último canalha, tudo continuaria perdido. (Obviamente, muita coisa mudou, muita coisa melhorou. Mas apenas um idiota da objetividade diria que a afirmação é errada).

Em 1968, Nelson afirmou que “os idiotas perderam a modéstia, a humildade de vários milênios. Eles estão por toda parte. (...) E, de mais a mais, são numericamente esmagadores. Antigamente, o silêncio era dos imbecis; hoje, são os melhores que emudecem”.

Em 1968, Nelson afirmou que se estabelecera o “ódio ao herói”, o ódio aos que lutavam sozinhos, aos que resistiam. “Os que capitularam precisam destruir o que não se rendeu”.

Em 1968, Nelson antecipou os escândalos de José Dirceu e companhia, as declarações de Almeida Lima sobre o caso Renan Calheiros e a canalhice que fizeram ontem aos senadores Pedro Simon e Jarbas Vasconcelos quando os afastaram da Comissão de Constituição e Justiça.

sábado, 29 de setembro de 2007

O Dono da Culpa

No início (não no início propriamente dito... era apenas a Grécia antiga), a culpa era de homem que ofendeu os deuses - e se pode ofender muita gente sem saber o que se está fazendo. Não importava se o homem que você assassinou era, à primeira vista, um tiranete de beira de estrada; não importava se a mulher com quem você dormiu era uma viúva desconhecida. Mesmo sem a consciência do crime, o castigo era inevitável. Que cobrisse a cabeça de cinzas, espetasse os olhos e fosse tatear pelo mundo com um pires na mão, sem direito a uma rabeca desafinada que inspirasse a piedade dos que passam!
Milhares de anos depois, a culpa passou para os judeus (sim, existem vários culpados intermediários – os judeus entre eles, em outras épocas -, mas eu não vou falar de todos), acusados de uma quinta-coluna meio esquisita que, no entanto, era uma mentira psicológica bastante eficaz para um país que não sabia tão bem o que era ser derrotado: não se perdera a guerra no front pelos ataques de americanos, franceses e ingleses, mas pela punhalada traiçoeira dos judeus. Acusados de formarem “uma panelinha internacional pequena, sem raízes, que está lançando as pessoas umas contra as outras, que não quer que elas tenham paz”. Mais tarde, Adolf Hitler comentou que se não existissem os judeus, seria preciso inventá-los (ou coisa do tipo). “É essencial ter um inimigo tangível, não um abstrato”. E nada como um inimigo comum pra unir um povo.
Depois, a culpa passou para o mordomo (talvez tenha sido antes. Sei lá quando foi o auge dos filmes de detetive!). Claro, não um mordomo qualquer, mas o mordomo de postura ereta, elegante, altivo, com uma calvície avançada, luvas brancas e gravata borboleta. Na sala de música com o castiçal ou na biblioteca com o revólver antigo de fabricação alemã, o culpado sempre era o mordomo.
Até que um dia – uma manhã de sol, especificamente - a culpa passou para a senhora Sociedade. Os crimes que um dia foram atribuídos aos judeus e aos mordomos, na verdade, eram todos obra dessa senhora perversa, responsável por toda violência, toda desigualdade, toda injustiça. Só nos resta o consolo de saber que ela está sendo punida. Aumentaram-lhe os impostos e cortaram a educação de qualidade e o atendimento médico gratuito para seus filhos. Um dia, mandam a Sociedade pro xadrez!

quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Nadificações extemporâneas

"Não é possível fazer Filosofia sobre o nada", repete o professor Poletti a cada aula de Filosofia do Direito.

Ele certamente não é leitor do Diários & Noturnos.

"Nicht ist Nicht und das Nicht nichtet das Nicht", escreveu Heidegger, no Sein und Zeit. O trecho negritado pode ser traduzido por: "o nada nadifica"!

Ex-Pirro, nadificando madrugada afora, enquanto deveria estar acabando de escrever um trabalho acadêmico.

"Lutar com palavras
é a luta mais vã
entanto lutamos
mal rompe a manhã"

"Here comes the sun, it's alright".

quarta-feira, 26 de setembro de 2007

Cálculo infinitesimal

O Diários & Noturnos comemora o crescimento infinitesimal e infinito que alcançou em apenas algumas semanas de existência: saímos do zero e hoje contamos já com cerca de dois leitores.


Isso porque o ZorroAstro ainda não está em atividade. Especula-se que deverá trazer mais três leitores consigo quando passar o eclipse e ele começar a postar.


Comprem as ações deste blog enquanto elas ainda não se supervalorizaram.

terça-feira, 11 de setembro de 2007

11 de Setembro

"(...) Pinochet deu o golpe truculento em 11 de setembro de 1973. Nesse dia o estádio de futebol de Santiago foi usado como campo de concentração para a prisão de milhares de chilenos. Entre eles estava um jovem compositor de música popular, líder do movimento chamado Nueva-Canción.

Esse é o mesmo movimento que em Cuba recebeu o nome de Nueva-Trova e que no Brasil foi chamado Música de Protesto. Na América Latina, participando daquele movimento estético e político, se destacavam jovens músicos na faixa dos 20 anos de idade: Silvio Rodriguez, Pablo Milanez, Chico Buarque, Carlos Varella, Benjamin Acevedo e aquele jovem prisioneiro de Pinochet: Victor Jara.

No estádio de futebol, Victor estava com seu violão. Para confortar os compatriotas prisioneiros no campo-de-futebol-concentração, ele começou a tocar seu instrumento. Os militares mandaram ele parar de tocar. Ele não parava. Agarraram-no e o arrastaram para um canto. Executaram cruelmente o único recurso que não mais lhe permitiria tocar violão: com um facão cortaram as duas mãos de Victor. Seus gritos ecoaram no estádio. Mas, teimosa e bravamente, Victor misturava seus gritos a cantos melancólicos com alguns versos fortes e de protesto de suas canções. Aqueles trechos musicais lancinantes de conhecidas melodias da Nueva-Canción, que haviam embalado a campanha presidencial de Salvador Allende, precisavam ser calados pelos milicos. Um tiro na cabeça do Victor Jara sem mãos, sangue aos borbotões saindo de pulsos dilacerados, acabou com uma das maiores promessas da música latinoamericana.
Pela memória do músico Victor Jara, assassinado em 11 de setembro de 1973."

Trecho de texto do maestro Jorge Antunes, compositor e professor da UnB.

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Terrorismo biológico

Uma boa notícia pra quem quer salvar o mundo das cáries.

Saiu no Jornal da Globo: “as autoridades norte-americanas descobriram que pequenas quantidades de gel e pasta de dente não provocam risco”.

sexta-feira, 24 de agosto de 2007

Planos não cartesianos

Não, não foi René Descartes o autor daqueles trechos citados no último post. Não pela primeira vez, pelo menos.

São trechos de duas obras de Aurélio Agostinho, mais conhecido como Santo Agostinho. Lá está o raciocínio do “cogito ergo sum”, a tentativa de comprovar que existe o eu. Mas a fama pelo cogito ficou toda com Descartes – que lembra esses trechos de Santo Agostinho até no estilo.

A teoria da relatividade especial, de quem é? Ela está associada inseparavelmente a Einstein no senso comum: o crédito ficou todo com ele. Mas na verdade é muito controverso até que ponto a contribuição dele foi tão inovadora assim, em relação aos trabalhos de Lorentz e Henri Poincaré, por exemplo. Há também quem diga que a primeira esposa de Einstein, a matemática Mileva Maric, é que fez todo o seu trabalho, tanto é que depois de se separar dela ele nunca mais teria publicado nada significativo. César Lattes endossava essa história: segundo ele, Einstein era uma farsa. É exagero; a comunidade científica dá todo o crédito a Einstein pela teoria da relatividade geral; a dúvida é só sobre a especial.

Os casos de grandes pensadores total ou parcialmente esquecidos são muitos. Julián Marías cita-nos um, no texto sobre Santo Agostinho que está linkado ali acima: “Uma pergunta crucial: por que há algo, e não somente o nada? É a formulação que Leibniz fará, e mais tarde Unamuno, e em terceiro lugar, Heidegger. Em geral, Unamuno é esquecido, mas ele diz isto e muito energicamente”.

Os cem mil cérebros que se concebem em sonho gênios como eu, se quiserem ser marcados pela história, podem mandar-nos suas grandes idéias atribuídas a outros, para que as publiquemos aqui. Garanto que citaremos a fonte: este é um blog disposto a fazer justiça no mundo das idéias.

Ah sim: este post é um plágio.

Plagio, logo existo. Porque há algo, e não somente o nada.

Será que o plano cartesiano é mesmo cartesiano?

sexta-feira, 17 de agosto de 2007

Claro enigma

Uma charada fácil, fácil.

Quem é o autor das tautológicas frases a seguir?

"Contudo, quem duvida que vive, recorda, entende, quer, pensa, conhece e julga? Porque, se duvida, vive; se duvida, lembra-se da dúvida; se duvida, entende; se duvida, é porque busca a certeza; se duvida, pensa; se duvida, sabe que não sabe; se duvida é porque julga que não deve concordar temerariamente. E ainda que duvide de todas as outras coisas, não pode duvidar destas, pois, se não existissem, seria impossível qualquer dúvida."

"De forma alguma temo os argumentos dos acadêmicos quando perguntam: mas, e se te enganas? - Se me engano, existo, pois quem não existe não pode sequer se enganar. Se, pois, existo porque me engano, como me enganarei a respeito da minha existência quando tenho a certeza de existir pelo fato de que me engano?"

Quem acertar ganha um belo jogo de palavras da Tramontina.

Não duvide.

sábado, 11 de agosto de 2007

Em que Ex-Pirro diz quem é e a que vai

Discípulo do grego Pirro (fundador da escola filosófica do ceticismo), Ex-Pirro aprendeu milênios depois com um mago cético pessimista chamado Sara que é sempre bom duvidar da própria dúvida. Seguindo o conselho de Zaratustra, negou os ideais do antigo mestre e propôs-se a superá-lo. Como não tinha nada pra pôr no lugar do ceticismo, criou a corrente do ex-ceticismo, na qual, sozinho, nada. Passou a ser apenas um ex-cético. Poderia ter optado por ser pós-cético, mas isso de pós é coisa de pós-modernos viciados – daquele tipo que acha que tudo vem do pó.

Ex-Pirro vive, assim, entre as dúvidas do passado e a incerteza do futuro.

Hoje, sua visão de mundo é pendular: oscila entre o teatro do absurdo e o pastelão, sendo o primeiro a parte cômica da história, e o segundo, a trágica.

Ponto forte: Ex-Pirro não gosta de se gabar disto, mas é primo de um dos anões da Branca de Neve. Atchim!

Ponto fraco: freqüentador assíduo de lugares comuns, Ex-Pirro não resiste a um trocadilho –com que não costuma conseguir obter mais do que sorrisos amarelos, vitórias de Pirro. Comete, ainda, a impudícia de falar de si mesmo na terceira pessoa, nesta apresentação.

quarta-feira, 8 de agosto de 2007

Conversa de bar

G- E então, somos livres ou não?
F- Liberdade, que é liberdade?
G- Hum...
F- Liberdade é a vontade de ser livre?
G- Talvez...
F- Ser livre é realizar nossa vontade?
G- Acho que sim. Normalmente é isso que querem dizer, eu acho.
F- Quem “querem”?
G- As pessoas, sei lá, elas sempre falam em liberdade.
F- Humpf... É verdade. Falam-nos em liberdade como quem fala em pão: “o homem precisa se alimentar, o homem precisa de moradia, de saúde... o homem precisa de liberdade”. E de liberdade! Como se fosse óbvio...
G- E não é?
F- Ora, mas é claro que não! Quem disse que precisamos de liberdade?
G- Todos dizem.
F- Mas pra que, sim, pra que essa coisa de ser livre?
G- Você gosta de poder falar agora sem que ninguém lhe impeça, não gosta?
F- Sim, mas desde quando poder falar significa ser livre? Será que eu posso mesmo falar qualquer coisa?
G- Como assim?
F- PKdfeihgep02uir946409.&¨¨%¨%$%¨#¨(**(¨%&¨$¨$#%$#@
G- QUÊ?
F- *¨&¨%¨&EDWGF*%*QW`=902298420
G- Ficou maluco?
F- Não, só estava mostrando como não sou livre pra falar o que quiser.
G- Como assim?
F- Ora, eu só posso me expressar por meio de uma língua, ou de algumas línguas existentes que já me limitam a expressão e mesmo o pensamento.
G- Ahn?
F- E os pensamentos que não podem ser expressos com palavras? Que liberdade de expressão pode haver quando me obrigam a me expressar de certa maneira?
G- Você está ficando maluco.
F- Ora, sai pra lá, pensa que é psiquiatra?
G- Eu li Freud e...
F- Freud? Freud era um charlatão!
G- Mas... Quanto à liberdade...
F- Que tem ela?
G- Ela existe?
F- Sei lá... Nem quando realizamos nossos desejos somos livres, afinal apenas obedecemos às nossas pulsões inconscientes.
G- Mas você acabou de dizer que Freud era um charlatão!
F- Dá licença? Tenho plena liberdade de me contradizer quando quiser, isso é o que chamam liberdade de expressão. E vai buscar uma cerveja.
G- Você tá querendo mandar em mim? E a liberdade, onde fica?
F- Vizinha da Aclimação…
G- Quê?
F- Ah, eu só... Bem, tanto faz. O cliente ali do lado tá reclamando, faz meia hora que ele chama por você.
G- Então só porque eu sou garçom tenho que ficar obedecendo a todo mundo?