"Dia e Noite", M.C. Escher

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Direito ao suicídio

"Há um mínimo de dignidade que o homem não pode negociar, nem mesmo em troca da liberdade. Nem mesmo em troca do Sol."

Augusto, personagem da peça O Santo Inquérito, de Dias Gomes

É decisão pessoal inalienável aquela sobre se vale a pena viver ou não, e em quais circunstâncias. É a escolha fundamental que cada um de nós precisa fazer enquanto vive - e efetivamente a faz, ainda que por instinto. Albert Camus chegou a afirmar, no livro
O Mito de Sísifo, que o suicídio seria o único problema filosófico verdadeiramente importante. Ele mesmo se desmentiria depois - analisou o problema do homicídio, em O homem revoltado. Não obstante, o suicídio é, sim, um dos mais sérios problemas filosóficos e concretamente existenciais que pode haver.

Se alguém acha bonito se matar, o que se pode fazer? Respeite-se a vontade e a dignidade do sujeito. Se acha que é uma forma eficaz de protestar, resistir e revoltar-se, não se pode fazer nada, a não ser, no máximo, discordar respeitosamente: é um direito que ele tem o de dar cabo à própria vida. É parte fundamental da dignidade da pessoa humana o direito ao suicídio. Quem tem o direito de viver precisa necessariamente ter o direito ao suicídio. Sim, porque se não houvesse o direito ao suicídio, não haveria o direito à vida - haveria a obrigação à vida. Se você não concorda com o direito ao suicídio, não me fale em direito à vida, porque vou acusá-lo de incoerência; assuma que, para você, viver é uma obrigação.

P.S.: Não, eu não pretendo me suicidar. Não tenho tendências nem suicidas nem depressivas. Minha visão de mundo continua a oscilar no pêndulo que vai da dramaticidade ridícula do pastelão à comicidade trágica do absurdo. Apesar de tudo, ou por causa de tudo, "é preciso imaginar Sísifo feliz".

P.P.S.: texto motivado pela greve de fome daquele bispo na Bahia, contra a transposição do Velho Chico.

11 comentários:

Ex-Pirro disse...

ATO FALHO

Na postagem originsl, saiu um erro de digitação. Saiu que "não tenho tendências suicidas, nem repressivas". Corrigi pra depressivas. Repressivas, todos temos... Assume formas diversas, que vão de gastrites a morcegos, passando por problemas mais sérios...

Anônimo disse...

Também acho que deve-se ter direito ao suicídio.Cada pessoa tem o direito de escolher se quer continuar vivendo ou não pq se não houvesse isso,como vc falou,não haveria o direito à vida,haveria obrigação à vida.
Vejo em alguns prédios altos,ou pontes,que quando ocorre algum suicídio,as pessoas dizem que deve ter segurança,que devem colocar policiais lá.Acho que policiais devem proteger a vida de quem quer continuar vivendo,e não a de quem não quer,se a pessoa quer morrer,pra que isso de chamar policiais,bombeiros e o escambau?Deixa ela morrer em paz!rs
ótimo texto,muito bom mesmo ;)

Ferdinand Saraiva Maia disse...

O negócio é que vcs estão fazendo uma análise unicamente filosófica e esquecendo a relevância médica. Muitas das tentativas de suicídio - a maior parte - não são fruto de uma visão de mundo fundamentada solidamente, mas de psicopatologias. Se o cara quer se matar porque tem dopamina demais no cérebro, parece que o mais correto seja lhe dar um agonista de dopamina e não uma injeção letal ou coisa que o valha. (Agora os limites entre a fisiologia do sistema nervoso, o pensamento humano e a filosofia não são nada claros... hehehehehe)

Ex-Pirro disse...

Não me agrada a idéia de pensar a saúde e a doença como questões meramente bioquímicas. Por outro lado, a Filosofia também não ganha ao desprezar essas questões. O melhor é, na minha opinião, a abordagem holística da questão, abordagem que não parta do pressuposto da separação radical entre "matéria" e "espírito". Filosofia com base na biologia, na química e na medicina, e vice-versa...

Ex-Pirro disse...

E ainda bem que a maioria dos suicídios não se deve a conseqüências lógicas de sistemas filosóficos. Isso seria terrível! "Há crimes de paixão e crimes de lógica", diz Camus na primeira frase de O homem revoltado. Os crimes de lógica são os piores e levaram às maiores atrocidades - aos totalitarismos do século XX, por exemplo (nazismo, stalinismo, etc.).

Ferdinand Saraiva Maia disse...

"Não me agrada a idéia de pensar a saúde e a doença como questões meramente bioquímicas."

Também não me agrada. Mas vem tendo bons resultados...

Ex-Pirro disse...

ehehe

Eu acho que esses bons resultados são relativos, principalmente quanto às doenças mentais...

Carrion disse...

pôxa!
fiquei impressionado. O.O
"Senão não haveria DIREITO a vida, mas OBRIGAÇÃO."

o post é meio, antigo,
mas acabei parando nele, por algum motivo.
fiquei até sem palavras.
arrasou.

Anônimo disse...

Ao autor: apenas não espere que este raciocínio lógico seja atingido em significativa escala nos próximos séculos. Quando se trata da "Raça Humana" - como um todo -, leva tempo.

Unknown disse...

A vida é um direito e não uma obrigação, querer que uma pessoa viva sem vontade ou em condições indignas é egoísmo.
A morte é algo certo e decidir quando e como, pode sim, ser uma escolha pessoal.

Anônimo disse...

Concordo com este artigo! Eu sempre defendi que se alguém tem direito a vida, ele também tem o direito de se matar! Não me venham com essa palhaçada hipócrita de cristianismo, dizendo que a vida é um dom de Deus, e que só ele tem o direito de tirá-la, estamos aqui por livre arbítrio, e se o direito ao suicídio é algo pessoal e intransferível, cada um sabe de suas razões para decidir se acabar ou de dar continuidade a vida.. Não é crime nascer, então não é crime se matar! País hipócrita esse Brasil!