"Dia e Noite", M.C. Escher

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Sarah Palin

Você já viu alguém colocar batom em um pitbull?
Pois é...
Existe um motivo pra isso...

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

McCain passa a frente...

Da agência de notícias Reuters:
WASHINGTON - Numa aparente reviravolta na campanha eleitoral americana, o candidato republicano à Presidência dos Estados Unidos, John McCain, abriu cinco pontos de vantagem sobre seu adversário democrata, Barack Obama, chegando a 46% das intenções de voto, contra 41% do rival, segundo pesquisa divulgada nesta quarta-feira pelo Instituto Zogby em parceria com a agência de notícias Reuters. Pesquisa realizada pelo mesmo instituto em julho mostrava Obama com a larga vantagem de 7 pontos sobre McCain, que, segundo as sondagens mensais do Zogby, supera agora o concorrente pela primeira vez.
A sondagem mostra também que o republicano é visto como melhor administrador para a economia do país, o que, diante da crise enfrentada pelos EUA, pode ser fator decisivo nas eleições de 4 de novembro. A suposta inaptidão de Obama para enfrentar o problema foi tema de campanhas agressivas de McCain nas últimas semanas.

domingo, 3 de agosto de 2008

O Malabarista

E lá estava o malabarista, tentando equilibrar todas as coisas...

Não fazia mais floreios como quando começara. Não fingia mais que deixaria as bolas caírem no chão apenas para apanhá-las de um modo surpreendente. Não tinha mais o mesmo entusiasmo e a mesma energia. Não queria mais isso. Mas não poderia de forma alguma deixar tudo aquilo no chão.

Cansara-se. E, cansando que estava, não podia ver que, junto com as suas esferas de vidro, jogava para o alto o mundo inteiro e o seu próprio coração.

segunda-feira, 28 de julho de 2008

Filosofias de Calçada

Em homenagem ao retorno do blog Filosofias de Calçada, postamos o trecho de Seinfeld que foi citado lá no post de reestréia:

"Cosmo Kramer: You’re wasting your life.
George Costanza: I am not. What you call wasting, I call living. I’m living my life.
Cosmo Kramer: OK, like what? No, tell me. Do you have a job?
George Costanza: No.
Cosmo Kramer: You got money?
George Costanza: No.
Cosmo Kramer: Do you have a woman?
George Costanza: No.
Cosmo Kramer: Do you have any prospects?
George Costanza: No.
Cosmo Kramer: You got anything on the horizon?
George Costanza: Uh, no.
Cosmo Kramer: Do you have any action at all?
George Costanza: No.
Cosmo Kramer: Do you have any conceivable reason for even getting up in the morning?
George Costanza: I like to get the Daily News."

Nunca deixei de acreditar na volta do Filosofias de Calçada, tanto é que o mantive aqui no blogroll esse tempo todo. E, claro, Seinfeld foi a melhor série de todos os tempos.

quarta-feira, 9 de julho de 2008

A Resistência do Homem Cordial

O Brasil foi, durante muito tempo, o país do homem cordial. Ninguém era mais simpático, sorridente e brincalhão que o brasileiro. Ninguém passava na frente de uma casa sem que lhe oferecessem uma cadeira, um cafezinho com açúcar demais e umas bolachas ou uns salgadinhos feitos pela filha mais nova.

No meio do caminho, a coisa mudou. De repente, o país virou de ponta cabeça e as pessoas passaram a se aprisionar voluntariamente em casa para evitar que gente que deveria estar presa aprisionasse-as numa despensa ou banheiro nos fundos de uma casa escondida e ligasse para a família pedindo um resgate.

Nos tornamos assustados e passamos a assustar uns aos outros. Há uns tempos, desci a noite numa parada de ônibus meio esquisita e, sem relógio que estava, perguntei a alguém que passava a hora. O sujeito saiu disparado, sem responder. Julgou que eu iria tomar-lhe o relógio, o telefone, a carteira e talvez os sapatos.

Aparentemente, passou o tempo em que as pessoas faziam uma roda de cadeiras na calçada à noite para comentar os resultados do futebol e a inabilidade dos políticos ou receitas de bolo e o capítulo da novela. Passou o tempo em que vizinhos mandavam as mangas e os cajus que lhe nasciam nos quintais uns para os outros.

Mas a verdade é que, a despeito de tudo, o homem cordial – e a mulher, igualmente cordial – resiste. E é maioria. Ainda insiste para que se entre e se tome um cafezinho, suquinho ou qualquer outra coisa, invariavelmente no diminutivo. Ainda diz “apareça lá em casa”. Não diz o endereço, é verdade. Mas não se pode culpá-lo. O homem cordial é inevitavelmente anacrônico, do tempo em que se sabia onde todo mundo morava. E, se não sabia, era fácil de encontrar. Sempre tinha, nas calçadas, sob a sombra de uma árvore, uma senhora (também cordial) que dava conta do endereço e da vida da cidade toda.

A resistência é silenciosa e, por vezes, imperceptível. Muitos não notam a presença do homem cordial. Alguns chegam a duvidar de sua existência, embora ele seja onipresente. Onde menos se espera, aí também está o homem cordial, com seu sorriso no rosto, por vezes perfeitamente branco, por vezes torto, por vezes privado dos dentes. Mesmo nas passeatas contra George Bush, que acompanharam a visita do presidente estrangeiro, em março de 2007. Enquanto a multidão pichava as ruas e levantava cartazes de “Fora Bush”, “Go Home, Bush” e “Bush: terrorista número 1”, lá estava o homem cordial. Vestia uma cartolina como se fosse camiseta, com os seguintes dizeres: “Bem Vindo ao Brasil Joge Buche".

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Basta uma frase

(Sobre o post imediatamente anterior a esse)

Nunca se deve subestimar o poder de uma frase. As frases corretas moveram o mundo, mudaram as pessoas, venceram e perderam batalhas. “Give me freedom, or give me Death” e “se não agora, quando estaremos mais fortes?” de Patrick Henry tornaram os Estados Unidos independentes. “Nada tenho a vos oferecer senão sangue, suor e lágrimas” manteve a Inglaterra de pé quando toda a Europa parecia cair. “O sonho acabou” de John Lennon pôs fim a uma era. “Pode se enganar todas as pessoas por algum tempo e algumas pessoas durante todo o tempo, mas não se pode enganar todo mundo todo o tempo” ecoou em várias épocas. “Há que endurecer, mas sem perder a ternura jamais”. “Não pergunte o que o país pode fazer por você”. “Vim, vi, venci”. “Se quer a paz, prepare-se para a guerra”.

É convencido da importância das frases que, vez ou outra, o Diários & Noturnos faz um post com uma única frase. Se ela não diz nada e não leva a coisa alguma... paciência! Já dizia Millôr Fernandes: “basta uma frase para subir de posição ou conquistar uma bela mulher. O problema é saber que frase é essa”.

(Millôr Fernandes é que leva jeito para frases bem feitas)

quinta-feira, 15 de maio de 2008

sábado, 10 de maio de 2008

“Quem tem vida interior jamais padecerá de solidão”

Algumas das melhores lembranças que eu tenho de 2002 são de tardes passadas assistindo a TV Senado. Eu tinha só uns 13 anos na época, mas costumava assistir junto com meu irmão mais velho. As grandes atrações eram a luta incessante do Senador Pedro Simon pela candidatura própria do PMDB - “o velho MDB de guerra” – e as lideranças do PSDB. Não lembro quem era o líder do governo e quem era o líder do partido, mas Geraldo Melo e Artur da Távola davam espetáculos à parte. Talvez tenha sido a qualidade do discurso dos dois que me fazia ter tanta simpatia pelo governo Fernando Henrique e defendê-lo nas conversas com os amigos (embora, hoje, eu não saiba o que fazia um moleque de 13 anos ficar discutindo política...).

Artur da Távola e Geraldo Melo não voltaram a ocupar cadeiras no Senado: duas grandes perdas para o debate político brasileiro. Meu interesse pelas sessões foi diminuindo, até desaparecer quase completamente. Só voltei a acompanhar as atividades do Parlamento momentaneamente, nos últimos momentos de Roberto Jefferson.

Nos últimos anos, o Senador Artur da Távola ainda manteve minha audiência na TV Senado com o programa “Quem tem medo de música clássica?”. Todo domingo, apresentava algumas peças novas e ensinava o que era um andamento, o que era um fagote, o que era um barítono ou coisa do tipo (eu aprendi quase nada). Passada uma hora, terminava o programa com sua célebre frase: “Música é vida interior e quem tem vida interior, jamais padecerá de solidão”.

Artur da Távola morreu ontem, 9 de maio. Mas, com seus discursos, contos, crônicas, colunas e o programa da TV Senado, deixou um país menos só.

quarta-feira, 23 de abril de 2008

21 de abril e o brasileiro

Em outro texto no blog, discuti a relevância dos feriados brasileiros e heróis nacionais. Tiradentes em particular. A História ainda não está certa do papel dele na Inconfidência. De um lado, há quem diga que ele foi realmente um dos grandes líderes da revolução que não chegou às ruas. De outro, há quem diga que ele foi meramente o grande bode expiatório do movimento.

O fato da revolta jamais ter chegado às ruas talvez já fosse o suficiente para não comemorá-la. Espera-se de revoluções que derrubem bastilhas, derrubem tiranos, levantem barricadas. A Inconfidência não levantou nem mesmo a voz. Não sei ao certo, mas é possível que sejamos o único país a ter um feriado para boas intenções frustradas.

Tiradentes foi enforcado, teve o corpo “dividido em quatro quartos e pregado em postes pelo caminho de Minas”, de acordo com sua sentença. Foi declarado infame, assim como seus filhos e netos. Seus bens foram confiscados; sua casa, arrasada e salgada, “para que nunca mais no chão nada se edifique”. Isso tudo para servir de exemplo àqueles que quisessem se revoltar contra os impostos. Serviu mesmo. Na época, o imposto era de 20% sobre o ouro. Hoje, a gente paga quase 40% sobre qualquer coisa e, exceção feita a alguns democratas, ninguém diz nada. Aparentemente, a Inconfidência não nos legou grandes lições. Aprendemos mais enquanto nação com os malandros que, à época, preenchiam com ouro os santos de madeira.

Acredito que em 23 de abril já exista distância histórica o suficiente para falar do dia 21. Feriado de Tiradentes, o Joaquim José da Silva Xavier. O homem que foi traído e não traiu jamais a Inconfidência de Minas Gerais. Ônibus pela metade do valor. Segunda-feira, mas com um evidente ar de domingo. Não encontrei nenhuma palavra sobre Tiradentes nos jornais, nos diálogos com os conhecidos. Nada.

Nelson Rodrigues dizia que “o brasileiro é um feriado”. Possivelmente, esse é o grande mérito do dia 21 de abril e é assim que Tiradentes representa o brasileiro.

terça-feira, 22 de abril de 2008

Antes do Tempo

"Mas antes da pré-história havia a pré-história da pré-história e havia o nunca e havia o sim. Sempre houve. Não sei o quê, mas sei que o universo jamais começou."

Rodrigo S. M., narrador de A hora da Estrela, de Clarice Lispector.

O tempo sempre existiu ou ele teve um começo?

O tempo sempre existiu. Porque caso não existisse antes de existir, não haveria antes: não se poderia falar em antes nem em sempre nem em nunca caso não houvesse tempo. Não pode haver tempo antes do tempo. O tempo sempre existiu.

Paradoxalmente, no entanto, o fato de ter sempre existido não significa que não possa ter tido um começo. Apenas não se pode afirmar que tenha existido um tempo antes do tempo: porque antes do tempo não havia tempo, então não havia antes.

Não sei se isso é uma tautologia, um paradoxo ou ambos. Mas, seja o que for, revela que o fato de o tempo sempre ter existido não refuta a possibilidade de que tenha começado. Sim, é paradoxal. E, ao mesmo tempo, é tautológico. Existirá esse categoria, a dos paradoxos tautológicos?

Se sempre existiu, como pode ter tido um começo?

Quem sabe? Falar em começo do tempo e do universo é falar em Deus ou no nada. Sobre o nada, só sabemos uma coisa: ele nadifica. Já sobre Deus...

Quem tem a razão, Rodrigo S. M. e os gregos ou Santo Agostinho e os físicos contemporâneos?

Não sei. Cada um com a sua mitologia temporal.

Alguém entendeu este post?

sexta-feira, 11 de abril de 2008

Nosso tempo

"Esse é tempo de partido,
tempo de homens partidos.

Em vão percorremos volumes,
viajamos e nos colorimos.
A hora pressentida esmigalha-se em pó na rua.
Os homens pedem carne. Fogo. Sapatos.
As leis não bastam. Os lírios não nascem
da lei. Meu nome é tumulto, e escreve-se
na pedra.

Visito os fatos, não te encontro.
Onde te ocultas, precária síntese,
penhor de meu sono, luz
dormindo acesa na varanda?
Miúdas certezas de empréstimos, nenhum beijo
sobe ao ombro para contar-me
a cidade dos homens completos.

Calo-me, espero, decifro.
As coisas talvez melhorem.
São tão fortes as coisas!
Mas eu não sou as coisas e me revolto.
Tenho palavras em mim buscando canal,
são roucas e duras,
irritadas, enérgicas,
comprimidas há tanto tempo,
perderam o sentido, apenas querem explodir.

II

Esse é tempo de divisas,
tempo de gente cortada.
De mãos viajando sem braços,
obscenos gestos avulsos.

Mudou-se a rua da infância.
E o vestido vermelho
vermelho
cobre a nudez do amor,
ao relento, no vale.

Símbolos obscuros se multiplicam.
Guerra, verdade, flores?
Dos laboratórios platônicos mobilizados
vem um sopro que cresta as faces
e dissipa, na praia, as palavras.

A escuridão estende-se mas não elimina
o sucedâneo da estrela nas mãos.
Certas partes de nós como brilham! São unhas,
anéis, pérolas, cigarros, lanternas,
são partes mais íntimas,
e pulsação, o ofego,
e o ar da noite é o estritamente necessário
para continuar, e continuamos.

III

E continuamos. É tempo de muletas.
Tempo de mortos faladores
e velhas paralíticas, nostálgicas de bailado,
mas ainda é tempo de viver e contar.
Certas histórias não se perderam.
Conheço bem esta casa,
pela direita entra-se, pela esquerda sobe-se,
a sala grande conduz a quartos terríveis,
como o do enterro que não foi feito, do corpo esquecido na mesa,
conduz à copa de frutas ácidas,
ao claro jardim central, à água
que goteja e segreda
o incesto, a bênção, a partida,
conduz às celas fechadas, que contêm:
papéis?
crimes?
moedas?

Ó conta, velha preta, ó jornalista, poeta, pequeno historiados urbano,
ó surdo-mudo, depositário de meus desfalecimentos, abre-te e conta,
moça presa na memória, velho aleijado, baratas dos arquivos, portas rangentes, solidão e asco,
pessoas e coisas enigmáticas, contai;
capa de poeira dos pianos desmantelados, contai;
velhos selos do imperador, aparelhos de porcelana partidos, contai;
ossos na rua, fragmentos de jornal, colchetes no chão da
costureira, luto no braço, pombas, cães errantes, animais caçados, contai.
Tudo tão difícil depois que vos calastes...
E muitos de vós nunca se abriram.

IV

É tempo de meio silêncio,
de boca gelada e murmúrio,
palavra indireta, aviso
na esquina. Tempo de cinco sentidos
num só. O espião janta conosco.

É tempo de cortinas pardas,
de céu neutro, política
na maçã, no santo, no gozo,
amor e desamor, cólera
branda, gim com água tônica,
olhos pintados,
dentes de vidro,
grotesca língua torcida.
A isso chamamos: balanço.

No beco,
apenas um muro,
sobre ele a polícia.
No céu da propaganda
aves anunciam
a glória.
No quarto,
irrisão e três colarinhos sujos.

V

Escuta a hora formidável do almoço
na cidade. Os escritórios, num passe, esvaziam-se.
As bocas sugam um rio de carne, legumes e tortas vitaminosas.
Salta depressa do mar a bandeja de peixes argênteos!
Os subterrâneos da fome choram caldo de sopa,
olhos líquidos de cão através do vidro devoram teu osso.
Come, braço mecânico, alimenta-te, mão de papel, é tempo de comida,
mais tarde será o de amor.

Lentamente os escritórios se recuperam, e os negócios, forma indecisa, evoluem.
O esplêndido negócio insinua-se no tráfego.
Multidões que o cruzam não vêem. É sem cor e sem cheiro.
Está dissimulado no bonde, por trás da brisa do sul,
vem na areia, no telefone, na batalha de aviões,
toma conta de tua alma e dela extrai uma porcentagem.

Escuta a hora espandongada da volta.
Homem depois de homem, mulher, criança, homem,
roupa, cigarro, chapéu, roupa, roupa, roupa,
homem, homem, mulher, homem, mulher, roupa, homem,
imaginam esperar qualquer coisa,
e se quedam mudos, escoam-se passo a passo, sentam-se,
últimos servos do negócio, imaginam voltar para casa,
já noite, entre muros apagados, numa suposta cidade, imaginam.
Escuta a pequena hora noturna de compensação, leituras, apelo ao cassino, passeio na praia,
o corpo ao lado do corpo, afinal distendido,
com as calças despido o incômodo pensamento de escravo,
escuta o corpo ranger, enlaçar, refluir,
errar em objetos remotos e, sob eles soterrados sem dor,
confiar-se ao que bem me importa
do sono.

Escuta o horrível emprego do dia
em todos os países de fala humana,
a falsificação das palavras pingando nos jornais,
o mundo irreal dos cartórios onde a propriedade é um bolo com flores,
os bancos triturando suavemente o pescoço do açúcar,
a constelação das formigas e usurários,
a má poesia, o mau romance,
os frágeis que se entregam à proteção do basilisco,
o homem feio, de mortal feiúra,
passeando de bote
num sinistro crepúsculo de sábado.

VI

Nos porões da família
orquídeas e opções
de compra e desquite.
A gravidez elétrica
já não traz delíquios.
Crianças alérgicas
trocam-se; reformam-se.
Há uma implacável
guerra às baratas.
Contam-se histórias
por correspondência.
A mesa reúne
um copo, uma faca,
e a cama devora
tua solidão.
Salva-se a honra
e a herança do gado.

VII

Ou não se salva, e é o mesmo. Há soluções, há bálsamos
para cada hora e dor. Há fortes bálsamos,
dores de classe, de sangrenta fúria
e plácido rosto. E há mínimos
bálsamos, recalcadas dores ignóbeis,
lesões que nenhum governo autoriza,
não obstante doem,
melancolias insubornáveis,
ira, reprovação, desgosto
desse chapéu velho, da rua lodosa, do Estado.
Há o pranto no teatro,
no palco ? no público ? nas poltronas ?
há sobretudo o pranto no teatro,
já tarde, já confuso,
ele embacia as luzes, se engolfa no linóleo,
vai minar nos armazéns, nos becos coloniais onde passeiam ratos noturnos,
vai molhar, na roça madura, o milho ondulante,
e secar ao sol, em poça amarga.
E dentro do pranto minha face trocista,
meu olho que ri e despreza,
minha repugnância total por vosso lirismo deteriorado,
que polui a essência mesma dos diamantes.

VIII

O poeta
declina de toda responsabilidade
na marcha do mundo capitalista
e com suas palavras, intuições, símbolos e outras armas
prometa ajudar
a destruí-lo
como uma pedreira, uma floresta
um verme."

Carlos Drummond de Andrade.

É tudo verdade. Mas, eu sou contra a ocupação (ou invasão, como queiram) da reitoria da UnB.

segunda-feira, 7 de abril de 2008

Opa!

"O mundo se divide em dois tipos de pessoas: as que gritam Oba! e as que exclamam Epa!"
Ivan Lessa.

Outra divisão possível é entre as pessoas que perguntam "e daí?" e as que indagam "por quê?". As primeiras nunca querem saber. As segundas sempre querem.

Este blog, em geral, grita Epa! e pergunta por quê.

P.S.: depois de postar isto, vi que Diogo Mainardi escreveu sobre o assunto Oba!/Epa! na Veja. Não tinha visto a frase , só nesta entrevista de Ivan Lessa.

Digam Epa! a Mainardi.

sexta-feira, 28 de março de 2008

O Câncer Gástrico de Napoleão

Dizem que, no dia 4 de maio de 1821, Napoleão resolveu fugir a nado de Santa Helena, mas desistiu porque a água estava excessivamente gelada. No dia 5 de maio, Napoleão morreria. Desde então, algumas pessoas utilizam essa suposta história para dizer que não devemos deixar as coisas pra amanhã.
Estudos recentes indicam que Bonaparte tinha um câncer gástrico em estado terminal. Um tumor de 10 cm, invadindo profundamente as paredes do estômago, com os linfonodos alcançados. Com os tratamentos de hoje, ele teria menos de 50% de chance de viver mais 1 ano e menos de 10% de viver 5 anos. E a medicina na França de 1821 - e a de Santa Helena em particular - não era lá essas coisas.
De vez em quando, não importa o que você faça, simplesmente lasca tudo...

domingo, 9 de março de 2008

Millor Fernandes, para Antígona

"Há sempre duas faces na mesma moeda
Cara: um herói.
Coroa: um tirano.
Algo mudou, bem sei;
A ambição mudou de traje,
A guerra, de veículo,
O poder, de método.
O mundo girou muito
Mas o homem mudou pouco.

"Porém repetir uma história
É nossa profissão, e nossa forma de luta.
Assim, vamos contar de novo
De maneira bem clara
E eis nossa razão:
Ainda não acreditamos que no final
O bem sempre triunfa.
Mas já começamos a crer, emocionados,
Que, no fim, o mal nem sempre vence.
O mais difícil da luta
É descobrir o lado em que lutar."

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Uma Nova Forma de Fazer Política

Durante um longo tempo, a política no Brasil (e em outras partes do mundo – não sejamos exclusivistas) se revezou entre promessas que não entravam no papel e projetos que não saiam dele. Eleições e inícios de governos foram períodos particularmente fecundos para esse tipo de coisa. Acredito que você lembra, por exemplo, do “Fome Zero”, do “Pacto Social” e de muitos outros exemplos que foram pouco longe.
Chega uma hora, contudo, em que a população cansa, e torna-se necessário oferecer algo mais. Vejo que essa hora se aproxima, e as mudanças começam a surgir.
Atingimos nos últimos anos um avanço possivelmente histórico. Ao invés de inventar projetos mirabolantes, que muito provavelmente não surtiriam efeito algum, inauguramos uma Nova Era. Agora, a política está sendo feita de outro jeito: basta escolher uma dúzia de projetos e ações já existentes – ou várias dúzias, dependendo da visibilidade que se procura – e agrupá-las debaixo de um nome novo. Os projetos e ações escolhidos devem existir a muito tempo e, de preferência, não trazer nenhuma inovação, porque inovação pode acabar atrasando o andamento. Se tudo já estivesse previsto no orçamento para ser implantado, independente dos malabarismos do governo, melhor ainda.
Só existe uma restrição: o nome escolhido deve ser bonito, ter uma boa sonoridade e conquistar os eleitores. Pode se chamar Programa de Aceleração do Crescimento, Territórios da Cidadania, ...
Propaganda ainda é a alma do negócio.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

A lógica de Al Capone

Em 1929, Al Capone foi escolhido nos Estados Unidos como um dos homens mais importantes do ano, ao lado de gente como Albert Einstein e Mahatma Gandhi.
O chefão mafioso de Chicago foi um dos que mais lucrou com a Lei Seca. Controlava com violência o comércio de bebida, a prostituição, os clubes noturnos, pontos de jogos, bancas de apostas, etc etc etc. E insistia em se manter constantemente na mídia. Suas atividades ilegais eram de conhecimento geral. Mas ninguém ousava desafiá-lo.
Em 1931, Al Capone foi preso, julgado e condenado. Em outubro, começou a cumprir pena. Seu grande crime, no fim das contas, foi sonegar imposto de renda, o que pode ser considerado uma violação bastante irrelevante em comparação com as demais que cometeu.
É engraçado ver hoje, com a crise dos cartões corporativos, a discussão sobre grandes e pequenos crimes, como se os menores fossem sempre dignos de perdão. Al Capone teria aprovado essa lógica. E saido impune.

domingo, 17 de fevereiro de 2008

Espírito esportivo

Sobra-me espírito esportivo.

Só espírito mesmo.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

A questão da experiência

"LORD DARLINGTON: You are far too young!

CECIL GRAHAM: That is a great error. Experience is a question of instinct about life. I have got it. Tuppy hasn't. Experience is the name Tuppy gives to his mistakes. That is all. [LORD AUGUSTUS looks round indignantly.]

DUMBY: Experience is the name every one gives to their mistakes."

Oscar Wilde, Lady Windermere's Fan.

Quanto pesa a mão de uma criança?

"Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossege
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação."

Carlos Drummond de Andrade, Os ombros suportam o mundo.

A mão de uma criança pode pesar muito mais do que parece.


quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Valéry e os cartões corporativos

Da celeuma dos cartões corporativos, os federais e os paulistas, renasceu a interminável discussão sobre quem é mais ou menos corrupto, se os tucanos ou os petistas, e quais coberturas jornalísticas têm sido e são mais ou menos isentas.

Ante isso, não posso deixar de concordar com Paul Valéry, em frase citada como epígrafe de Claro Enigma de Carlos Drummond de Andrade:

"Les événements m'ennuient".

[Tradução livre: "Os acontecimentos me aborrecem".]

Melhor Valéry do que Valério.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Do be do be do

"To be is to do." - Camus
"To do is to be." - Sartre
"Do be do be do." - Frank Sinatra


Do Migalhas International de hoje.

sábado, 9 de fevereiro de 2008

No country for old men

No ano em que o filme “No Country for old men” é o grande favorito ao Oscar, o senador John McCain, que fará 72 anos em agosto, será o candidato dos Republicanos à presidência dos Estados Unidos.


Coincidência ou não, é um belo presságio.

"Pobre do país que precisa de heróis", dizia um personagem de Bertolt Brecht.

Memórias de Ex-Pirro, um trocista

Entre ser fascista, leninista, stalinista, anarquista ou trotskista, Ex-Pirro não teve dúvidas.

Optou por ser trocista.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Romney is out

Na "Super-terça", 5 de fevereiro, quando praticamente metade dos delegados foram definidos, a candidatura de John McCain ganhou um forte impulso. Hoje, quinta, o segundo colocado na corrida republicana, Mitt Romney, anunciou que abandona a campanha. Oficialmente, Ron Paul e Mike Huckabee ainda estão na disputa. Na prática, contudo, a vitória de McCain fica consolidada.
A vitória confere ao senador do Arizona alguns meses a mais de campanha, o que pode ser importante para um candidato vindo de um partido em crise.
Do lado democrata, Hillary Clinton ganhou mais delegados; mas Barack Obama ganhou mais estados, e sua candidatura se fortalece a cada dia. A indefinição ainda deve continuar por algum tempo.
Mais do que as eleições anteriores, essa eleição americana parece se tornar uma disputa não simplesmente entre dois candidatos, dois partidos, mas entre duas formas diferentes de ver o futuro. Uma delas já tem rosto.

quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Herói Americano

(Supostamente, o blog deveria publicar sua posição sobre a corrida presidencial americana. Mas nossas opiniões divergem... hehehehehe Nesse momento, declaro meu apoio inútil)

Arnold Schwarzenegger e Rudy Giuliani se referiram assim a John McCain essa semana, quando ratificaram o apoio à candidatura do senador.
McCain foi prisioneiro de guerra durante 5 anos no Vietnã, 3 deles na solitária. Piloto da Marinha, teve a asa do avião atingida por um míssil durante a sua 23ª missão de bombardeio. Ejetado do avião, caiu num lago, quebrou um braço e uma perna e foi feito prisioneiro por vietnamitas. Ser capturado não torna ninguém herói; mas McCain recusou durante anos a fio a libertação em prol dos prisioneiros que estavam lá há mais tempo. (Interessante é ver que John McCain II, pai do candidato, ordenou, enquanto Almirante da Marinha no Vietnã, bombardeios no perímetro em que o filho era mantido refém).
Ser herói de guerra, contudo, não qualifica ninguém à presidência da república. Mas a carreira política de McCain o qualifica. Começou em 1982, com na Câmara e, depois, no Senado. Sua trajetória parlamentar é marcada pela defesa do dinheiro dos contribuintes, confrontando empreiteiras e parlamentares, aprofundando-se até a questão do financiamento de campanhas (um parlamentar com atuação semelhante seria bem-vindo no Brasil) e pela coerência. Mantém-se na defesa da presença de tropas no Iraque, por mais votos que possa perder, embora critique a forma como a guerra foi conduzida. Defende redução de impostos e de restrições ao financiamento de pesquisas com células-tronco. Apoiou o aumento da cobertura do sistema de saúde a idosos e crianças, a legalização de imigrantes (se falarem inglês e pagarem impostos) e os limites aos gases estufa.
Dizem que Obama lembra de certa forma o presidente Kennedy. McCain tem um ar de Churchill. O mesmo humor ácido e, por vezes, auto-depreciativo do inglês. Controvérsias no passado (McCain colecionou deméritos na Marinha; Churchill colecionou desastres militares na Primeira Guerra). Sobrevivência nas dificuldades (McCain sobreviveu a duas quedas de avião, uma explosão num porta-aviões, tortura, câncer e um divórcio; Churchill também viu a morte passar perto várias vezes).
E a certeza de não desistir quando o país precisar.

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Nobel da paz para o Big Stick

"Speak softly and carry a big stick; you will go far".

Essa frase poderia ter sido sussurrada por Don Vito Corleone, mas quem de fato gostava de dizê-la, segundo o site da Casa Branca, era Theodor Roosevelt, que presidiu os Estados Unidos no início do século XX e é até hoje avaliado pelos americanos, em pesquisas de opinião, como um de seus melhores presidentes.

O curioso é que o autor da frase ganhou o Prêmio Nobel da Paz de 1906.

"Si vis pacem, para bellum" - se queres a paz, prepara-te para a guerra, diziam os romanos.

A propósito: a música tema de "O Poderoso Chefão" chama-se "Speak Softly, Love".

Norris apóia Huckabee

que(Continuando a intensa cobertura das primárias americanas pelo Diários e Noturnos! hehehehehehe)

Disse Chuck Norris: ''Quando me perguntam quem é mais durão, se sou eu ou Mike Huckabee, eu digo que ele é muito mais".

Continuo tendo John McCain como meu candidato republicano favorito. Mas nunca falarei mal de Huckabee. Jamais!

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Kennedy apóia Obama

Não, John Fitzgerald Kennedy - que descanse em paz - não ressuscitou dos mortos (não há outro lugar de onde se possa ressuscitar, pelo que se sabe), nem seu irmão Bob. Também não falo de qualquer outro Kennedy - vivo ou morto.

Quem escreveu ao The New York Times para declarar que apóia a candidatura de Barack Obama à presidência dos Estados Unidos foi uma Kennedy, Caroline, filha de JFK. O artigo, intitulado "A President Like My Father", foi publicado ontem.

Caroline deve ter deixado gente como Bill Clinton com inveja:

"I have never had a president who inspired me the way people tell me that my father inspired them. But for the first time, I believe I have found the man who could be that president — not just for me, but for a new generation of Americans".

Amor fati

"A inteligência é encontrar o júbilo de um sorriso diante do que não se pode evitar".

João Moreira Salles, em entrevista à revista Bravo! sobre o seu último documentário, Santiago, lançado em meados do ano passado.

domingo, 27 de janeiro de 2008

Qual é o peso da luz?

O The New York Times publicou, na sexta-feira passada, editorial de apoio à candidatura de Hillary Clinton à presidência dos Estados Unidos. No mesmo dia, manifestou apoio a John McCain nas primárias republicanas - nas primárias somente; na disputa presidencial, estão com os Democratas.

Declaração de apoio por veículo de comunicação é algo raro no Brasil, infelizmente. Jornais, revistas, sites e emissoras de rádio e TV brasileiros costumam optar por não declarar expressamente suas preferências - devem temer que isso possa afetar suas supostas credibilidade e neutralidade. Via de regra, não passa de estratégia pouco franca de dar maior força persuasiva às suas posições enrustidas.

Este blog opta pelo modelo transparente de jornalismo. Evidente, no entanto, que não há motivo para que nos posicionemos sobre toda e qualquer eleição; apenas sobre aquelas em que nossa opinião possa ter peso significativo. Por isso, publicaremos, ainda nesta semana, nosso posicionamento sobre a corrida presidencial nos EUA.

Qual é o peso da luz?

Paródias em bom Tom

É, meu amigo, só resta uma tristeza
É preciso acabar com essa certeza
É preciso inventar de novo o amor

Carta ao Tom

Carta do Tom

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Totalitarismo e anti-intelectualismo

"O filósofo Miguel de Unamuno, autor de O sentimento Trágico da Vida, era reitor da Universidade de Salamanca quando os falangistas tomaram a cidade. No Dia da Raça uma cerimônia reuniu as mais importantes figuras do poder fascista. E o general Milan Astray, fundador com Franco, da Legião Estrangeira, discursava:

Gen. Milan Astray:
O fascismo vai restaurar a saúde de Espanha!
Abaixo a inteligência!
Viva a morte!

Coro
(Fazendo a saudação fascista.)
Viva a morte!

Gen. Milan Astray:
Espanha!

Coro
Unida!

Gen. Milan Astray:
Espanha!

Coro
Forte!

Gen. Milan Astray:
Espanha!

Coro
Grande!

Gen. Milan Astray:
Viva la muerte!

Coro:
Viva!

Miguel de Unamuno:
Senhores!

Coro:
Viva la muerte!

Miguel de Unamuno:
Senhores! Meu nome é Miguel de Unamuno. Todos me conhecem. Sabeis que sou incapaz de me calar. Há momentos que calar é mentir. Desejo comentar o discurso - se é possível empregar esse termo - do general Milan Astray, aqui presente. Acabei de ouvir um brado necrófilo insensato: 'viva a morte'. E eu que passei minha vida dando forma a paradoxos, devo declarar-vos, aos setenta e dois anos, que um tal paradoxo me é repulsivo. O General Milan Astray é um aleijado. (Reação do coro.) Não há nesta afirmativa o menor sentido pejorativo. Ele é um inválido de guerra; Cervantes também o era. Infelizmente há na Espanha neste momento um número muito grande de aleijados, e em breve haverá um número muito maior, se Deus não vier em nosso auxílio. Causa-me dó pensar que o general Milan Astray esteja formando a psicologia da massa. Um aleijado destituído da grandeza espiritual de um Cervantes tende a procurar alívio causando mutilações em torno de si.

Gen. Milan Astray
(Olhando fixament para Unamuno em tom de desafio.)
Abaixo a inteligência! Viva a morte!

Coro
Viva!

Gen. Milan Astray
Viva a morte!

Coro
Viva!

Miguel de Unamuno
Senhores!
Este é o templo da inteligência! E eu sou seu sacerdote mais alto. Profanais este sagrado recinto. Ganhareis, porque tendes à força bruta. Mas não convencereis. Porque para convencer é necessário possuir o que vos falta: razão e direito em vossa luta. Considero inútil exortar-vos a pensar na Espanha. Tenho dito.

Gen. Milan Astray
(Com ar triunfante.)
Abaixo a inteligência! Viva a morte!

Coro
Viva a morte!

Gen. Milan Astray
Viva a morte!

Coro
Viva!

Unamuno foi preso; e morreu dois meses e meio depois".

Retirado de Liberdade, Liberdade, de Millôr Fernandes e Flávio Rangel, de 1965, que extraíram o trecho do livro A Guerra Civil Espanhola, de Hugh Thomas, 2o volume.

O suicídio filosófico seria o primeiro passo para o totalitarismo?

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Os Cajus de Newton

Não é o que você está pensando, leitor. Não venho contestar que Isaac Newton tenha sido atingido por maçãs. Devem ter sido maçãs mesmo. O Newton que falo é outro. É possível que você não o conheça, se não for potiguar. Aqui, Newton Navarro é uma espécie de lenda. Poeta, pintor, boêmio, trouxe o modernismo até o meu Rio Grande. Hoje, dá nome a uma belíssima ponte.
Não tenho lembranças de Newton Navarro. Quando morreu, eu devia ter uns três ou quatro anos. Recordo-me muito bem, contudo, da sua esposa, Salete. Até dia desses, era minha vizinha (faleceu não faz muito tempo).
Ano após ano, Salete Navarro, uma dessas senhoras simpáticas que sempre nos tratava como se fossemos seu filho ou neto e nos chamava pra conversar quando passávamos, mandava pra minha família alguns dos primeiros cajus da árvore que tinham na frente de casa. Em um dos anos, mandou junto um dos textos de Newton Navarro, num papel já meio amarelo. Newton contava que, quando saiu de casa, de manhã cedo, viu os primeiros cajus. Três cajus, ainda pequenos, ainda verdes. E ele achava os três cajus algo extraordinário. Se tivessem nascido três maçãs no cajueiro, ele não teria se espantado mais. Eram os três primeiros cajus. E isso era cheio de poesia e cheio de esperança e cheio de alegria. E isso era o suficiente pra ele.
Ontem, quando saia de casa, parei na frente do cajueiro da esquina. Lá estavam, três pequenos cajus, lado a lado, meio escondidos entre as flores, pequenos, verdes. Não eram os primeiros: a árvore já tinha um bocado de cajus. Não seriam, tampouco, os últimos. Newton não está mais lá. Salete não está mais lá. Mas o cajueiro ainda está. E é cheio de poesia e cheio de esperança e cheio de alegria. E isso, por alguns instantes, fui o suficiente também pra mim.