"Dia e Noite", M.C. Escher

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Totalitarismo e anti-intelectualismo

"O filósofo Miguel de Unamuno, autor de O sentimento Trágico da Vida, era reitor da Universidade de Salamanca quando os falangistas tomaram a cidade. No Dia da Raça uma cerimônia reuniu as mais importantes figuras do poder fascista. E o general Milan Astray, fundador com Franco, da Legião Estrangeira, discursava:

Gen. Milan Astray:
O fascismo vai restaurar a saúde de Espanha!
Abaixo a inteligência!
Viva a morte!

Coro
(Fazendo a saudação fascista.)
Viva a morte!

Gen. Milan Astray:
Espanha!

Coro
Unida!

Gen. Milan Astray:
Espanha!

Coro
Forte!

Gen. Milan Astray:
Espanha!

Coro
Grande!

Gen. Milan Astray:
Viva la muerte!

Coro:
Viva!

Miguel de Unamuno:
Senhores!

Coro:
Viva la muerte!

Miguel de Unamuno:
Senhores! Meu nome é Miguel de Unamuno. Todos me conhecem. Sabeis que sou incapaz de me calar. Há momentos que calar é mentir. Desejo comentar o discurso - se é possível empregar esse termo - do general Milan Astray, aqui presente. Acabei de ouvir um brado necrófilo insensato: 'viva a morte'. E eu que passei minha vida dando forma a paradoxos, devo declarar-vos, aos setenta e dois anos, que um tal paradoxo me é repulsivo. O General Milan Astray é um aleijado. (Reação do coro.) Não há nesta afirmativa o menor sentido pejorativo. Ele é um inválido de guerra; Cervantes também o era. Infelizmente há na Espanha neste momento um número muito grande de aleijados, e em breve haverá um número muito maior, se Deus não vier em nosso auxílio. Causa-me dó pensar que o general Milan Astray esteja formando a psicologia da massa. Um aleijado destituído da grandeza espiritual de um Cervantes tende a procurar alívio causando mutilações em torno de si.

Gen. Milan Astray
(Olhando fixament para Unamuno em tom de desafio.)
Abaixo a inteligência! Viva a morte!

Coro
Viva!

Gen. Milan Astray
Viva a morte!

Coro
Viva!

Miguel de Unamuno
Senhores!
Este é o templo da inteligência! E eu sou seu sacerdote mais alto. Profanais este sagrado recinto. Ganhareis, porque tendes à força bruta. Mas não convencereis. Porque para convencer é necessário possuir o que vos falta: razão e direito em vossa luta. Considero inútil exortar-vos a pensar na Espanha. Tenho dito.

Gen. Milan Astray
(Com ar triunfante.)
Abaixo a inteligência! Viva a morte!

Coro
Viva a morte!

Gen. Milan Astray
Viva a morte!

Coro
Viva!

Unamuno foi preso; e morreu dois meses e meio depois".

Retirado de Liberdade, Liberdade, de Millôr Fernandes e Flávio Rangel, de 1965, que extraíram o trecho do livro A Guerra Civil Espanhola, de Hugh Thomas, 2o volume.

O suicídio filosófico seria o primeiro passo para o totalitarismo?

2 comentários:

Ferdinand Saraiva Maia disse...

Já dizia John Gray: Não são as melhores idéias que vencem, mas aquelas que tem a seu lado o poder ou a loucura humana.

- disse...

A inteligência é inimiga dos movimentos extremistas de direita e de esquerda. Não me surpreende o que As(h)tray dizia, para mim a surpresa vem da unanimidade do coro...
Quando as massas se deixam manipular dessa forma é que é de começar a sentir medo...