"Dia e Noite", M.C. Escher

quinta-feira, 29 de novembro de 2007

O julgamento de Joseph Brodsky

"Juíza: Qual é seu nome?

Brodsky: Joseph Brodsky.

Juíza: Qual é sua ocupação?

Brodsky: Escrevo poemas. Traduzo. Suponho que...

Juíza: Não interessa o que o senhor supõe. Fique em pé respeitosamente. Não se encoste na parede. Olhe para a Corte. Responda com respeito. O senhor tem um trabalho regular?

Brodsky: Pensei que fosse um trabalho regular.

Juíza: Dê uma resposta precisa.

Brodsky: Eu escrevia poemas: julguei que seriam publicados. Supus...

Juíza: Não interessa o que o senhor supõe. Responda porque não trabalhava.

Brodsky: Eu trabalhava: eu escrevia poemas.

Juíza: Isso não interessa. Queremos saber a que instituição o senhor estava ligado.

Brodsky: Tinha contratos com uma editora.

Juíza: Há quanto tempo o senhor trabalhava?

Brodsky: Tenho trabalhado arduamente.

Juíza: Ora, arduamente! Responda certo.

Brodsky: Cinco anos.

Juíza: Onde o senhor trabalhou?

Brodsky: Numa fábrica, em expedições geológicas...

Juíza: Quanto tempo trabalhou na fábrica?

Brodsky: Um ano.

Juíza: E qual é seu trabalho real?

Brodsky: Sou poeta. E tradutor de poesia.

Juíza: Quem reconheceu o senhor como poeta e lhe deu um lugar entre eles?

Brodsky: Ninguém. E quem me deu um lugar entre a raça humana?

Juíza: O senhor aprendeu isso?

Brodsky: O quê?

Juíza: A ser poeta? Não tentou ir para uma Universidade onde as pessoas são ensinadas, oinde aprendem?

Brodsky: Não pensei que isso pudesse ser ensinado.

Juíza: Então como...?

Brodsky: Eu pensei que... Por vontade de Deus...

Juíza: É possível ao senhor viver do dinheiro que ganha?

Brodsky: É possível. Desde que me prenderam sou obrigado a assinar um documentom todos os dias, declarando que gastam comigo quarenta copeques. Eu ganhava mais do que isso por dia.

Juíza: O senhor não precisa de ternos, sapatos?

Brodsky: Eu tenho um terno. É velho, mas é um bom terno. Não preciso de outro.

Juíza: Os especialistas aprovaram seus poemas?

Brodsky: Sim, fui publicado na Antologia dos Poetas Inéditos e fiz leituras de traduções do polonês.

Juíza: Seria melhor, Brodsky, que explicasse à corte por que não trabalhava no intervalo de seus trabalhos.

Brodsky: Eu trabalhava. Eu escrevia poemas...

Juíza: Mas existem pessoas que trabalham numa fábrica e escrevem poemas ao mesmo tempo. O que o impediu de fazer isso?

Brodsky: As pessoas não são iguais. Mesmo a cor dos olhos, dos cabelos... a expressão do rosto.

Juíza: Isso não é novidade. Qualquer criança sabe disso. Seria melhor que explicasse qual a sua contribuição para o movimento comunista.

Brodsky: A construção do comunismo não significa somente o trabalho do carpinteiro ou o cultivo do solo. Significa também o trabalho intelectual, o...

Juíza: Não interessam as palavras pomposas. Responda como pretende organizar suas atividades de trabalho no futuro.

Brodsky: Eu queria escrever poesia e traduzir. Mas se isso contraria a regra geral, arranjarei um trabalho... e escreverei poesia.

Juíza: O senhor tem algum pedido a fazer à corte?

Brodsky: Eu gostaria de saber por que fui preso.

Juíza: Isso não é um pedido; é uma pergunta.

Brodsky: Então não tenho nenhum pedido.

Brodsky foi condenado a cinco anos de trabalhos forçados, numa fazenda estatal de Arcangel, na função de carregador de estrume. O poeta tinha vinte e quatro anos".

PÍLULAS

- NA RÚSSIA, Kasparov foi mandado para o xadrez pela segunda vez no ano. Ao que parece, não estão querendo deixá-lo mudar de profissão. A fala preferida de Putin: Kasparov, volta pro xadrez!

- NA ESPANHA, o rei Juan teria dito: cale-se, cale-se, cale-se, você me deixa louco!

- NO BRASIL, criou-se a história de que Lula estaria aspirando a uma nova reeleição. A imprensa adorou a tese, que ajuda a desviar o foco, por exemplo, da denúncia do valerioduto tucano pelo Procurador-Geral da República. Saiu também um estudo da FGV mostrando que a pobreza caiu mais nos 4 anos de governo de Lula do que nos 8 de FHC. O pesquisador disse que o mérito foi de ambos. E agora essa propaganda do PSDB, assumindo que todo tucano na verdade é um petista disfarçado, e vice-versa.

- O BRAZIL aparece no calendário da THE ECONOMIST para 2008 com uma referência: "February - Brazilians and foreigners alike dance to hedonistic excess at the Rio de Janeiro carnival". Viva o Brazil!

- A ONU nomeou 2008 o ano internacional da batata. 2007 já está acabando, e 2008 é batata!

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

História como farsa

Analisando o calendário brasileiro, encontramos três feriados cívicos, históricos: o 21 de abril de Tiradentes, o 7 de setembro da Independência e o 15 de novembro da Proclamação da República. Se formos analisar a fundo o significado de cada uma deles, o resultado é um tanto quanto decepcionante.
Discute-se se Tiradentes, Joaquim José da Silva Xavier, que foi traído e não traiu jamais a Inconfidência de Minas Gerais, era realmente um dos líderes da revolução ou simplesmente seu bode expiatório preferencial. Seja lá como for, não há muito sentido em comemorar uma revolta que não chegou às ruas, que não ergueu barricadas nem derrubou bastilhas: um amontoado de boas intenções que se limitou aos saraus de grã-finos.
A Independência, proclamada pelo filho do rei, que mais tarde foi tentar reaver o trono do pai, também tem resultados questionáveis. Ao contrário de toda a América, que, ao se tornar independente, trocou a monarquia pela república, o Brasil trocou uma monarquia por outra. A primeira Constituição própria foi outorgada. A tradição autoritária manteve-se mais forte que os direitos civis.
A Proclamação da República também está envolta numa discussão histórica. Há quem diga que a intenção não era proclamar a República, mas apenas derrubar o ministério Ouro Preto. A passagem da monarquia para a república foi um passeio: sem um tiro disparado, uma gota de sangue derramada. Depois da bonança, a tempestade. Ditadura, um poder executivo aos moldes do moderador, crise, crise, crise.

Dizem que a História (com H maiúsculo, como se fosse uma entidade viva, com identidade própria) ocorre e depois se repete como farsa. A história do Brasil deixa a impressão de que tudo aqui se resumiu à farsa.

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Neutralidade e objetividade

Neutralidade não existe. A pretensão de neutralidade é de certa forma doentia, fruto de uma Modernidade que "se esqueceu do ente" (pra usar terminologia heideggeriana), de uma sociedade que pretende anular o sujeito na assepsia da técnica.

A inexistência da neutralidade e a sua indesejabilidade não significam necessariamente, no entanto, que não se deva buscar a objetividade. Qual objetividade é possível? Difícil responder, a pergunta está no centro dos grandes debates epistemológicos contemporâneos. Sem alguma objetividade, é difícil pensar em quê a ciência e o direito podem se fundar, como podem existir. Admitimos que Jornalismo e história são Literatura, ou adotamos a posição de que há neles o inafastável compromisso com a objetividade? Os fatos existem, duros como pedras, ou existem apenas interpretações? Difícil dizer. É a tal da pós-modernidade complicando as nossas vidas.

O que não se pode admitir nesse debate são posturas desonestas. Atacar a Veja porque ela é parcial e defender a Carta Capital? Não dá. Que se ataque a Veja porque ela não apóia o seu projeto político, não porque ela é parcial, ou que não se aplauda a Carta Capital. [Entenda-se que estou utilizando parcialidade aqui como falta de compromisso com a objetividade, e não com a neutralidade, que essa é indesejável para o jornalismo, que há de ter posição e opinião.]

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

O Poder do Símbolo

Nada se faz nesse mundo sem um símbolo. Sem um objeto, um mito, um herói – nenhuma batalha é perdida ou ganha. A fé no símbolo é maior que ele próprio. Sua importância só pode ser medida pelo que representa.
“Sabe como tornar as crianças mais patrióticas? Conte-lhes como Wolfe tomou Quebec”, dizia Churchill. Na guerra dos Sete Anos, o General Wolfe tomou a cidade ao custo da própria vida, numa batalha de poucos minutos. O fato considerável é que nem mesmo o amor à terra de nossos pais escapa da necessidade de um símbolo, de um mito, de um herói. Recorremos a eles quando precisamos de força, esperança, apoio.
Após o 11 de setembro, Bush apelou à memória de Churchill, o homem que resistiu sozinho e não perdeu a Segunda Guerra. Evo Morales e Hugo Chavez constantemente evocam a memória de Simon Bolívar.
Os gregos têm Aristóteles, Péricles, Leônidas. Os ingleses, Duque Wellington, Lorde Nelson, William Shakespeare. Os franceses, Napoleão Bonaparte, Voltaire, General De Gaulle. Os portugueses têm Luís Camões, Vasco da Gama. Os italianos têm Júlio César, Otávio, Marco Aurélio. Os mongóis têm Gengis Khan. Os americanos têm Thomas Jefferson, George Washington, Franklin Delano Roosevelt. Gandhi, na Índia. Mao Tse-Tung, na China. Em Cuba e por aí, Che Guevara. Na Romênia, Vlad, o Empalador, também deve ter seus admiradores.
Se a resistência francesa na segunda guerra foi superestimada, se a independência americana não pôs fim à escravidão, se as revoluções cubana e soviética levaram a ditaduras cruéis, paciência! Afinal de contas, ninguém está escrevendo um livro de história (a experiência brasileira recente diz que mesmo os que estão não se importam muito com a coisa).
Quando tentaram levar um projeto adiante sem um símbolo ou quando o símbolo saiu errado, a coisa logo desandou. Como os Estados Unidos venceriam a guerra do Vietnã se o grande símbolo era a menina vietnamita correndo, com o corpo queimado? Muito mais fácil seria vencer um homem que, por trás do bigode engraçado e da Cruz de Ferro, vociferava na frente de multidões armadas.
(Abrindo um parêntese para fechá-lo logo, o símbolo “democracia” recentemente não tem tido bons resultados. Pelo menos, não os que “liberdade” e “sobrevivência da nação” vinham tendo no século XX).
Um dos muitos problemas (e dos menos relevantes, claro) do Brasil é a falta do grande símbolo, do grande herói, da identidade. A idéia de país plural, com a fusão democrática de várias raças, é bonita e ótima para dias de festa, mas não torna nenhuma criança mais patriótica. Os heróis nacionais até hoje também não convenceram muito: o único que ganhou feriado próprio foi líder discutível e bode expiatório de uma revolta que nem chegou às ruas.
O que devemos contar às crianças brasileiras?