"Dia e Noite", M.C. Escher

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

Chamadas Telefônicas

“Zooey estava em plena forma, no seu jeito sonhador. O apresentador sugeriu como tema os projetos de novos bairros residenciais, e a garota dos Burke disse que odiava essas casas que parecem todas iguais – referindo-se às ruas projetadas com fileiras de residências idênticas. Zooey disse que elas eram ´legais´. Que seria muito bom voltar da escola e entrar na casa errada. Jantar por engano com as pessoas erradas, dando um beijo de despedida de manhã em todo mundo, pensando que eles eram sua própria família. Disse que seria até bom se todos fossem iguais. A gente ia pensar que todas as pessoas que encontrasse eram sua mulher ou sua mãe ou seu pai, ficariam todos se abraçando, aonde quer que fossem, seria mesmo ´muito legal´”. (J. D. Salinger, no livro Carpinteiros, Levantem Bem Alto a Cumeeira)

Gosto de pensar que no Brasil – o país do homem cordial – algo semelhante seria possível. Ao menos nas casas mais cordiais, é possível sim entrar e rapidamente se tornar família.
No entanto, ninguém sai por aí entrando em qualquer lugar. O que se tem de mais próximo são as chamadas telefônicas. Não há quem nunca tenha errado uma ligação.
Minha casa recebe não menos que cinco ligações erradas por dia. Existem duas farmácias, uma escola, uma empresa do tipo “disque-pesquisa” e uma limpadora de fossas com números semelhantes. No mais das vezes, as ligações erradas são lacônicas e rudes. Atender um engano e escutar um pedido de desculpas é raro. Ter uma conversa agradável é motivo de comemoração.
Eu já tive motivos de comemorar. Durante três anos seguidos, recebi no dia do Natal uma ligação errada da mesma pessoa. Uma senhora fazia diversos votos de felicidade, prosperidade, saúde e tudo mais que supostamente devemos desejar em semelhante data. E quando eu respondia, desejando-lhe tudo igualmente (ou em dobro, no último ano), ela estranhava e perguntava se não era a casa de Fátima. Na ausência de Fátima, desejava tudo novamente, dessa vez pra mim e pra minha família.
Há alguns meses, numa manhã de segunda-feira, por volta das dez horas, recebi outra ligação errada, de uma outra senhora. Pela voz embargada, postulei que estivesse alcoolizada. Queria falar com Rita. Como não havia Rita, decidiu falar comigo mesmo. Perguntou meu nome, não o entendeu e pediu que eu soletrasse. Pediu que eu soletrasse novamente, dessa vez mais devagar. E então se apresentou: “Meu nome é Verônica. Verônica, que nem na musiquinha. Quer que eu cante a musiquinha?”. “Sim, por favor”. “Veronicaaaaaaaa... Veronicaaaaaaaaaaaaa”. Conversamos por uns 20, 30 minutos. Conversa bastante agradável. Verônica tinha um cachorro, trabalhava com contabilidade e freqüentava uma igreja próxima à minha casa. Era um tanto insegura. Perguntou mais de uma vez se eu estava gostando de falar com ela. Quando se despediu, disse que ligaria novamente outro dia. E se corrigiu: ligaria todo dia.
Verônica nunca mais ligou. Mas deixou a impressão de que não é errado pensar que todas as pessoas que a gente encontra são mãe, pai, irmã...

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